Benfica-Farense, 2-1: Um «penalty» à margem do sistema e um «anti-sistema» que compensa
O BENFICA voltou a ganhar “de aflitos” no Estádio da Luz, superando o Farense com um golo de João Tomás a dois minutos do fim e depois de um empate forçado através de uma grande penalidade que não deixará de constituir nova peça de discussão sobre as virtudes e defeitos do famigerado sistema que regula a arbitragem nacional.
Numa partida em que estava em causa a possibilidade de “ascender” ao sétimo lugar da classificação, mas em que o Benfica não podia correr riscos de voltar a perder pontos para os seus adversários tradicionais, o triunfo da equipa de José Mourinho é um desfecho lógico e justo. Na segunda parte, com todo o seu poderio ofensivo em campo, houve uma carga persistente e convicta sobre a baliza de Iglésias, que adiou o golo até ao limite do possível.
Este começou por chegar através da tal grande penalidade cem por cento assumida por António Costa, até ao momento a realizar uma condução de jogo sem mácula: faz lembrar o célebre “penalty” de Abel Xavier no França-Portugal, embora em posição diferente e com o jogador Rúbio em movimento, porque também causou uma surpresa geral no estádio. Além disso, não foi assinalado pelo auxiliar, que estava de frente para o jogador do Farense. Mas também é verdade que actualmente em Portugal exigem-se “penalties” e abrem-se crises por bem menos!
Foi a segunda vez que o Benfica ganhou assim, depois daquela noite de Setembro que marcou a despedida de Jupp Heynckes frente ao Estrela da Amadora, e ao fim de seis partidas em casa (cinco vitórias e um empate) não há meio de os adeptos encarnados poderem encarar os jogos com naturalidade e não como exercícios de masoquismo. O sofrimento é já uma imagem de marca desta equipa, continuamente à procura de processos, estilo e forma, à mercê do temperamento do seu jovem treinador e do empenho (ou falta dele) das suas figuras mais emblemáticas.
Mas uma vitória justa não deixa de esconder uma derrota iminente, numa contradição típica deste jogo fantástico que é o futebol. Após ter sofrido o golo de Marco Nuno, a 17 minutos do fim, numa fase em que se abalançara para um ataque aberto, o Benfica escapou da estocada final, com o jugoslavo Dudic a opor-se ao remate de Hassan, redimindo-se da falha individual que tivera minutos antes.
Apenas 45 minutos
Parece difícil ao Benfica enfrentar os 90 minutos de um jogo. Depois de no Funchal ter sucumbido ao fim de um quarto de hora de pressão e oportunidades, que o seu técnico com generosidade cronometrou em 60 minutos, ontem limitou-se a jogar meia parte. Os primeiros 45 foram oferecidos aos objectivos do visitante, provocando até uma relativa debandada de espectadores ao intervalo, fugindo da mau espectáculo e da intempérie.
A lutar contra um balneário onde as “prime donne” parecem adoptar um comportamento hostil, José Mourinho vai de hesitação em hesitação até à solução final. Os resultados, apesar de tudo, podiam ser piores – e isso deve-o mais ao carácter dos jogadores que lutam por um lugar, mesmo não sendo os mais apetrechados, como João Tomás, do que às estrelas da companhia (Van Hooijdonk, Poborsky, Dani).
O avançado português já o tinha “salvo” com golos decisivos frente ao Braga e ao Campomaiorense e foi domingo o impulsionador da equipa, conseguindo até estimular o seu parceiro holandês. Nos 45 minutos que esteve em campo, o antigo jogador da Académica rematou sete vezes à baliza, travando um despique emocionante com o guarda-redes Iglésias e mostrando aquele espírito de luta e vontade de vencer que muito agrada aos adeptos encarnados. Curiosamente, não parece ter o mesmo estado de espírito quando entra de início...
Com Tomás e Van Hooijdonk, o Benfica é forçado a dispor-se em campo com um sistema pouco apreciado pelos treinadores portugueses, uma vez que fragiliza a “contenção” do sector intermédio. Contra adversários mais poderosos que o Farense tal opção revela-se quase sempre suicida, uma vez que a maior fragilidade da equipa benfiquista continua a ser a sustentação defensiva do meio-campo. Mas entre o fastidioso jogo de bolas perdidas do primeiro tempo, sem um regulador que paute o ritmo e estabeleça cambiantes na forma de procurar iludir o adversário, e as emoções à solta da segunda parte, com tentativas de golo praticamente à cadência do minuto – o balanço é claramente favorável ao jogo de risco após o intervalo.
Depois de afastar o egípcio Sabry antes do jogo, Mourinho viu-se obrigado a prescindir também de Dani e Poborsky, que não assumiram a responsabilidade capital de ter de vencer este encontro. Por um fio ficou o holandês, que já não marcava há mais de um mês e chegou a ouvir assobios por revelar medo de atirar à baliza (37’), mas cujo maior problema parece ser a falta de apoio dos flanqueadores.
Com esta instabilidade no seio de um plantel pouco numeroso – sem esquecer os lesionados Paulo Madeira, Ronaldo e Kandaurov –, compreende-se que o técnico tenha dificuldades em assumir um sistema definitivo. Depois da má experiência dos três defesas no Funchal, voltou ao 4x3x3, mas a verdade é que a capacidade de decisão da equipa só se revela quando o número de jogadores de ataque e o poder físico dos dois avançados acabam por compensar a ausência de um “sistema” clássico de jogo – a que apetece chamar de “anti-sistema”. E isso deve ser uma grande preocupação para o treinador, agravada com a desistência da contratação de Roger.
Farense tranquilo
Para se equilibrar com o Benfica, o Farense (que nos últimos dois anos perdera na Luz por 0-5 e 2-6) não precisou de ser uma equipa antipática, de se fechar a sete chaves, nem de praticar antijogo. É certo que se dispôs em função do adversário, com Carlos Costa a “pivotear” o número de unidades a meio-campo ou na defesa consoante as opções de Mourinho, mas nunca perdeu de vista o objectivo positivo de ganhar o jogo. E esteve em vias de consegui-lo.
A partida começou-lhe ao jeito, com muitas acções na área do Benfica, ainda que sem perigos de maior, mas suficiente para intranquilizar os lisboetas. Na segunda parte, pertenceu a Hassan a primeira grande oportunidade do jogo e Enke esteve sempre sob pressão.
Este ano a equipa algarvia transmite uma tranquilidade que prenuncia uma época sem problemas de maior. Tem uma defesa sólida, um excelente guarda-redes que apenas não sabe jogar ao pé e avançados objectivos. Terá falhado por causa do recuo no terreno, mas o mérito cabe ao Benfica e em particular à combatividade de João Tomás.
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