NUM jogo marcado por extremas cautelas, o Boavista conseguiu o objectivo de sair do Estádio da Luz com um empate que interrompeu a série vitoriosa do Benfica (seis jogos) e vale a manutenção da liderança numa altura importante da prova.
O ambiente fantástico (80 mil espectadores) que se viveu domingo no recinto encarnado, a marcar o ressurgimento desportivo do Benfica depois de seis/sete anos de apagamento, não foi suficiente para toldar o experiente e competitivo Boavista de Jaime Pacheco, invencível há dez jogos (quatro vitórias e seis empates) pelo mais histórico clube do futebol português.
O Boavista não arriscou e foi menos ofensivo do que habitualmente por força de abdicar do ponta-de-lança fixo. O Benfica, como se sabia, para compatibilizar os dois goleadores tinha de abdicar de atacar pelas alas e servir-se do passe à distância.
Pensava Toni que Roger poderia ser o desequilibrador, mas o brasileiro, tão fantasista quanto egoísta, ainda tem de aprender a ser um verdadeiro jogador de equipa no mais físico futebol europeu.
O encontro foi eminentemente táctico. O Boavista só fez substituições para “queimar tempo”, nos últimos momentos, segurando o desgastado Sanchez sempre à espera da cobrança de falta seguinte; no Benfica, Toni não aguentou Roger mas nunca lhe passou pela cabeça desmanchar o trio de operários do “miolo” – e o mais que condescendeu foi em fazer entrar o flanqueador Carlitos, esperando/adivinhando o cruzamento miraculoso que até surgiu (78) para Van Hooijdonk cabecear ao poste! Foi essa a única grande oportunidade de golo para o Benfica na segunda metade.
Táctico, intenso ao nível das emoções, o ansiado jogo desenrolou-se principalmente no meio-campo. Ambas as equipas jogaram, com previsibilidade, nas melhores soluções que se lhes reconhecem. O Boavista esgotou os pontapés de Sanchez, entre os quais cinco na cobrança de faltas; o Benfica usou e abusou dos lançamentos para Van Hooijdonk e João Tomás, e só o flanco direito (Dudic/Maniche) existiu por vezes em termos atacantes.
Toni apresentou, pois, a equipa preferida dos benfiquistas, com dois pontas-de-lança, o que não tinha acontecido, por exemplo, no jogo com o FC Porto. E, para compatibilizar Van Hooijdonk com João Tomás, com Roger no apoio, estava previsto que se destapasse as alas e se apostasse no passe longo e... na tal paciência pedida pelo técnico. Face à estratégia adoptada e às características do adversário, não restava ao Benfica se não apostar em dois alas (Maniche e Calado) a jogarem “por dentro”, bem perto de Ednilson, o “trinco”. Ainda por cima as características dos extremos contrários, Martelinho e Duda, não convidava à subida dos laterais...
Do outro lado, na abordagem ao jogo, o Boavista mudou. Não se pode dizer que Jaime Pacheco tenha mentido no prometido, e habitual, 4x3x3... mas foi omisso quanto baste para que a equipa tenha podido surgir com um esquema táctico aparentado com aquele que se tinha visto em Alvalade.
Sanchez apareceu na posição de Whelliton só nos primeiros minutos. Depois, com o decorrer do tempo, por estratégia e preservação das forças (como estaria programado), foi recuando no terreno e rapidamente o Boavista já estava a actuar em 4x4x2, apostando na supremacia no meio-campo e num jogo assente numa boa circulação de bola. A entrada de Pedro Santos deu mais pulmão ao Boavista.
Os primeiros dez minutos foram de supremacia axadrezada. O Benfica ficou na expectativa, abrindo a dupla atacante na frente – o que o Boavista resolveu com a marcação de Rui Óscar a João Tomás e fazendo descair Pedro Emanuel sobre Van Hooijdonk. Qualquer das duas equipas tinha um “joker” com ampla liberdade: Sanchez pelo Boavista, Roger pelo Benfica.
Apesar dos três livres cobrados por Sanchez, o Benfica esteve melhor nessa primeira parte muito táctica e recheada de duelos individuais, um pouco por todo o campo, como era aguardado. E excepção a um perigoso cabeceamento de Pedro Emanuel muito perto da baliza de Enke, na sequência de um canto (40), as grandes oportunidades foram todas do Benfica, de modo a fazer brilhar Ricardo. O guarda-redes do Boavista justificou em absoluto a escolha de António Oliveira e teve duas defesas de eleição (remate de Calado, aos 11, e Maniche, aos 23), além de outra também difícil proporcionada por Van Hooijdonk.
Ao intervalo, o Benfica tinha feito por merecer a vantagem, apesar do jogo sem rasgos, quase sempre à custa dos lançamentos para a cabeça das “torres”, à espera de uma falta ou de uma sobra para Roger.
No reatamento não se notaram alterações substanciais, apenas o jogo abriu mais. Sem abdicarem do rigor das marcações, os jogadores começaram a preocupar-se em também construir. No Benfica notou-se ainda mais a preponderância de Ednilson, um jogador precioso, duro a defender e capaz de sair a jogar com esclarecimento.
Van Hooijdonk e João Tomás fabricaram bem duas faltas à entrada da área. Na de maior perigo aparente, que parecia ao jeito de Van Hooijdonk, Roger antecipou-se provocando a irritação do holandês, e terá aí começado a merecer a substituição, pela maneira demasiado individualista de abordar o jogo.
Com Martelinho e Duda em permanente movimento, o Boavista nunca baixou a guarda e construiu (64) a mais flagrante oportunidade até aí: Martelinho correu livre pelo flanco direito e cruzou com precisão milimétrica para a cabeça de Duda, que falhou o golo nas costas de um defesa do Benfica.
Toni ainda viu Hooijdonk visar o poste, mas nunca achou oportuno trocar João Tomás (discretíssimo e bem policiado por Rui Óscar) por André – e muito menos arriscar a mexer no coração da equipa. Melhor que ninguém, o treinador sabe a capacidade da equipa. E o Benfica, embora esteja a crescer e a galvanizar os adeptos, é um conjunto limitado. Não custa reconhecê-lo.
Jaime Pacheco conseguiu o objectivo festejado no final pelos jogadores axadrezados. Neste momento, depois da derrota em Braga, era essencial sair deste jogo na liderança. Daí a estratégia mais defensiva que o costume. E quem pode criticar esta opção?
José Pratas é, como se sabe, um árbitro tecnicamente capaz. O problema é a parte disciplinar. E como desta vez os jogadores não complicaram, saiu-se bem, embora o Boavista por duas vezes tenha reclamado o segundo cartão amarelo; a Roger por se fazer a uma grande penalidade (44) e a Meira por entrada dura sobre Martelinho (60). Pareceu-nos que o árbitro decidiu bem nas duas ocasiões, se bem que Roger tenha caído sem que alguém lhe tocasse e Meira tenha mesmo atingido o adversário. Um trabalho quase limpo que bem precisava nesta altura da carreira...
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