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Edição 214 24/06/2002

Um atalho para a Europa

De olho na União Européia, descendentes de imigrantes do antigo bloco comunista vão aos consulados em busca do passaporte

ALEXANDRE MOSCHELLA

“Como se faz para conseguir um passaporte?” Raramente se passa um dia sem que essa pergunta seja feita, por telefone, ao consulado polonês em Curitiba, responsável pelo atendimento à maior parte de uma comunidade de 1,5 milhão de pessoas, entre imigrantes e seus descendentes. Durante mais de quatro décadas de regime comunista na Polônia, o interesse de brasileiros pela dupla cidadania foi praticamente nulo. Agora, o consulado recebe 100 pedidos de informações por mês, em média, sobre como tirar o passaporte – uma procura que se intensifica com a contagem regressiva para o ingresso do país na União Européia (UE). Quando isso ocorrer, os cidadãos poloneses, mesmo que não falem uma só palavra na língua de seus avós, poderão morar, estudar e trabalhar na Inglaterra, na França, na Alemanha ou em qualquer outro país da UE, como se tivessem nascido lá. “Muitos dos brasileiros de origem polonesa são agricultores, pessoas simples, e nem sabem que têm esse direito”, diz Andrzej Lisowski, cônsul-geral da Polônia em São Paulo, onde as solicitações por passaporte têm aumentado de 20% a 30% a cada ano. “Os mais jovens porém, começam a se interessar.”

A TURMA DO LESTE
O número de integrantes das principais comunidades no Brasil que têm origem em países candidatos à União Européia*
Tchecos 5 mil
Letões 25 mil
Húngaros 80 mil
Lituanos 200 mil
Poloneses 1,5 milhão
* Incluindo os descendentes de imigrantes
Fonte: estimativas de consulados no Brasil

O movimento também é cada vez maior nas representações de outros integrantes do extinto bloco comunista com comunidades expressivas no Brasil. A lista inclui a Hungria, a República Tcheca e as antigas repúblicas soviéticas da Lituânia, da Letônia e da Estônia, que conquistaram a independência no início da década de 90. Esses países estão entre os dez candidatos à UE que esperam concluir um acordo até o fim deste ano para a entrada já em 2004 – os outros são Eslováquia, Eslovênia, Chipre e Malta. Vem daí a repentina inclinação de muitos brasileiros pela pátria de seus ancestrais. “A cidadania pode abrir as portas do mercado de trabalho europeu”, acredita o paulistano Eduardo Pazikas, de 37 anos, filho de lituanos. Gerente de projetos na multinacional finlandesa Tecnomen, em São Paulo, Pazikas prepara os documentos para obter o passaporte de olho na possibilidade de se instalar na UE. Ele estudou arquitetura na Polônia, trabalhou na sede mundial da Nokia, na Finlândia, e vislumbra a chance de morar novamente no Exterior. “Na área de telecomunicações, devemos ser flexíveis para nos mudar de um país para outro em curtos intervalos”, diz.

O curitibano Rogério Piasecki, de 34 anos, neto de poloneses, está disposto a embarcar na primeira oportunidade. Ele adquiriu a cidadania polonesa em 1992, quando se começou a cogitar o ingresso do país na UE. Piasecki morou na Polônia de 1985 a 1995. Nesse período, formou-se em letras na Universidade de Cracóvia e conheceu sua mulher, a bioquímica Anna, de 42 anos. Hoje, para sobreviver, ele dá aulas de polonês e faz traduções. Anna trabalha no laboratório do Hospital Evangélico de Curitiba e lamenta não ter conseguido realizar no Brasil o projeto de desenvolver pesquisas em sua área. “Gostamos daqui, mas, se recebêssemos uma oferta de emprego na Europa, aceitaríamos com certeza”, afirma o marido. O filho do casal, Michal, de 15 anos, sonha estudar em alguma universidade européia.

É esse o plano da estudante paulistana Simone Novotny Couto, de 19 anos. Neta, pelo lado materno, de tchecos que fugiram para o Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, Simone encaminhou na semana passada os papéis para se tornar cidadã da República Tcheca, que visitou como turista em 1997. Ela pretende prosseguir, em algum país da UE, a formação em Direito ou em relações internacionais, os dois cursos que freqüenta na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. “Gosto da República Tcheca e achei Praga uma cidade linda”, diz. “Mas prefiro morar na Europa Ocidental.” Nem todos os que reivindicam o passaporte tcheco pretendem emigrar para outro lugar. “A cidadania é obrigatória para os que pedem a restituição dos bens confiscados durante o comunismo”, informa o diplomata Pavel Prochazka, na embaixada do país em Brasília. Há até quem queira apenas passear – um visto para a República Tcheca custa R$ 62 e um passaporte apenas R$ 59.

Miklós Deák, conselheiro da Embaixada da Hungria, vê dois motivos para o aumento da procura pela cidadania: “Manter os laços com a nação de origem e ter a oportunidade de entrar no mercado de trabalho da União Européia”. O consulado húngaro em São Paulo confirma a tendência, sem fornecer números. Já o de Porto Alegre recebeu 100 pedidos desde o início do ano passado – uma quantidade significativa para uma região em que os descendentes de húngaros se contam em poucas centenas. “Antes de falar na União Européia, praticamente não havia interesse pelo passaporte”, afirma a consulesa honorária Verônica Ruttkay Pereira. “De repente, todos passaram a pedi-lo.”

Entre os países do Leste Europeu com comunidades de imigrantes no Brasil, o único a apresentar obstáculos à concessão da cidadania é a Letônia. O consulado em São Paulo deixou de aceitar pedidos em 1995, após ter fornecido mais de 200 passaportes nos anos anteriores. A causa foi a aprovação, pelo Parlamento letão, de uma lei que proíbe a dupla cidadania. “Quem quiser ser um cidadão da Letônia tem de deixar de ser brasileiro”, avisa o cônsul honorário, Janes Grimberg. Já o cônsul-geral da Estônia em São Paulo, Juri Saukas, faz questão de advertir os candidatos à emigração que a Europa não é um mar de rosas. “Muitas pessoas têm expectativas irreais”, diz. “Explico que na Estônia, como no restante da Europa, o desemprego é alto. Se quiserem emigrar, terão de concorrer com muita gente.”



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