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MARÍLIA PÊRA

Marília Pêra em depoimento ao Memóriao Globo, 2011. Renato Velasco/TV Globo

Com uma coleção de prêmios no teatro, no cinema e na televisão, Marília Pêra dedicou a vida às artes cênicas


TRAJETÓRIA

“O teatro é a minha vida. Nem lembro se houve um ano em que eu não tivesse feito teatro. É como se fosse a minha casa.”

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Marília Pêra em A Moreninha. Cedoc/Globo

Filha, neta e sobrinha de atores, Marília Pêra pisou num palco pela primeira vez quando tinha 19 dias de vida. Pisou é modo de dizer, claro: “Minha mãe diz que eu entrei no colo de uma atriz, amiga dela, numa peça em que precisavam de um bebê”. Mas a estreia para valer não demorou muito; já aos 4 anos, ela começou a trabalhar na Companhia de Henriette Morineau, interpretando uma das filhas de Medéia na peça homônima de Eurípedes, na qual também atuavam seus pais, Manoel Pêra e Dinorah Marzullo. “Fui criada dentro das coxias. Eu me preparei para ser atriz olhando os grandes atores, os atores, os maus atores. Meus pais trabalharam muito com Madame Morineau e com Dulcina de Moraes também. Eu pude ter essa visão do teatro feito por uma trágica, Madame Morineau, e por uma comediante de primeiríssima, Dulcina”, diz.

Marília é uma das artistas mais completas do Brasil: além de interpretar, é cantora, bailarina, diretora, produtora e coreógrafa. E já trabalhou em mais de 50 peças, quase 30 filmes e cerca de 40 novelas, minisséries e programas de televisão.

 O começo

Marília Soares Pêra (Marília Pêra da Graça Mello, depois que se casou), nasceu em 22 de janeiro de 1943, no bairro do Rio Comprido, no Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo em que estreava profissionalmente no teatro, começou a estudar piano. “Meu pai não queria que eu fosse atriz de jeito nenhum. A profissão de ator, naquela época, era muito sacrificada, e eles tinham uma vida muito dura”. Dos 14 aos 21 anos, atuou como bailarina em musicais e revistas como Minha Querida Lady (1962), protagonizado por Bibi Ferreira, e O Teu Cabelo Não Nega (1963), biografia de Lamartine Babo, como Carmen Miranda – papel que repetiria algumas vezes em sua carreira. Também foi Manoel Pêra quem a incentivou a estudar balé clássico e a levou para a televisão, para dançar. “Meu pai e minha mãe faziam a TV Tupi quando a emissora começou. E havia um programa de balé semanal, acho que às segundas-feiras. Nós passávamos a semana inteira ensaiando, na ponta do pé, e depois íamos fazer ao vivo esse balé”, conta. Nessa época, trabalhou também em programas como Espetáculos Tonelux, Grande Teatro Tupi, Grande Teatro da Imperatriz das Sedas, Teatrinho Troll e Câmera Um.
 
Em 1959, quando ainda estava no primeiro ano científico, largou os estudos para se casar com o ator Paulo Graça Mello. Aos 18 anos, em 1961, excursionou por Brasil e Portugal com a peça Society em Baby-Doll, de Henrique Pongetti. Um ano depois, estrelou o musical Como Vencer na Vida sem Fazer Força, de Abe Burrows, Jack Wienstock e Willie Gilbert, ao lado de Procópio Ferreira, Moacyr Franco e Berta Loran. Já separada do marido, foi contratada pelo diretor Abdon Torres, em 1965, para fazer parte do elenco que iria inaugurar a TV Globo, e protagonizou as novelas Rosinha do Sobrado e Padre Tião, ambas de Moisés Weltman. Também atuou em A Moreninha, adaptação do romance de Joaquim Manuel de Macedo escrita por seu ex-sogro, Graça Mello, que era diretor da emissora. “Esse comecinho da Globo era muito divertido, porque tudo era muito experimental. Como ninguém sabia nada, o brinquedo era muito novo para todo mundo, havia muita criatividade”, relembra.

Dama do teatro

Entre 1965 e 1968, trabalhou nas peças Onde Canta o Sabiá, de Gastão Tojero; Se Correr o Bicho Pega, de Oduvaldo Vianna Filho e Ferreira Gullar; A Ópera dos Três Vinténs, de Bertold Brecht e Kurt Weill; A Megera Domada, de William Shakespeare; O Barbeiro de Sevilha, de Beaumarchais; e Roda Viva, de Chico Buarque de Hollanda.  A atriz também participou de Beto Rockfeller (1968), de Bráulio Pedroso, na TV Tupi, novela que é considerada um marco da teledramaturgia brasileira, por sua linguagem moderna e ambientação urbana. “Ali havia a história de um malandro, o herói não era politicamente correto, e isso era bem interessante”, conta.

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Marília foi convidada pelo diretor Daniel Filho para voltar à Globo em 1971, para interpretar a Shirley Sexy de O Cafona, de Bráulio Pedroso, personagem que lhe deu grande popularidade. “Era muito divertido trabalhar com Francisco Cuoco, que era meu par. Ele estava quebrando a imagem de galã interpretando um cara que fazia tudo errado. Era a primeira vez que ele fazia comédia”. Logo depois, fez Bandeira 2, escrita por Dias Gomes, como a taxista Noeli: “Eu nunca tinha dirigido carro, era uma barbeiragem só”, conta. E no ano seguinte, foi a Serafina Rosa Petrone de Uma Rosa com Amor, de Vicente Sesso, na qual contracenou com Paulo Goulart. “Eu fazia muito essas mocinhas pobres que se apaixonavam por homens ricos que não davam bola para elas. Eles namoravam sempre mulheres lindas, ricas, elegantes. Mas, no fim, ficavam comigo. Só depois você percebe a imagem que passava, a da mocinha comum que vence na vida”, diz. Depois, interpretou a personagem-título da novela Supermanoela (1974), de Walther Negrão, e passou um bom tempo afastada das novelas.

Em 1982, ela interpretou a Alice de Quem Ama não Mata, escrita por Euclydes Marinho. A minissérie causou forte impacto por causa da direção realista de Daniel Filho, e das interpretações da atriz e de Cláudio Marzo, e pela abordagem de um tema polêmico, o crime passional. “Foi numa época em que Daniel e eu conversávamos muito sobre a violência, que estava acontecendo muito próximo de nós, casais se matando por ciúmes. Foi quando morreu a Angela Diniz”, conta. Depois de 13 anos, a atriz voltou a fazer telenovelas na emissora, vivendo a sofisticada Rafaela Alvaray, em Brega & Chique, (1987), num papel escrito especialmente para ela por Cassiano Gabus Mendes. As cenas de Rafaela com o Dr. Montenegro, personagem de Marco Nanini – seu grande parceiro nos palcos também –, proporcionaram momentos memoráveis que fizeram da novela um grande sucesso de audiência no horário das 19h. “Eu criei a Rafaela pensando na Dulcina de Moraes, que tinha um tipo de humor que não era o do escracho, era mais sutil, mais meigo. E Cassiano Gabus Mendes me deu esse presente. Brega & Chique foi, eu acho, a novela que mais gostei de fazer”, diz.

O Primo Basílio

Na minissérie O Primo Basílio (1988), adaptação de Gilberto Braga e Leonor Brassères do romance de Eça de Queiroz, Marília interpretou a vilã Juliana, outro personagem marcante. “E eu não queria fazer. Eu não queria fazer a Juliana, exatamente porque eu tinha lido o livro, e o Eça a descreve de forma implacável. Mas foi muito bom para mim. Eu soube que há escolas de teatro que usam o DVD de O Primo Basílio para estudar o que eu fiz”. A atriz trabalhou em duas novelas de Ricardo Linhares: Lua Cheia de Amor (1991), coescrita por Ana Maria Moretzsohn e Maria Carmem Barbosa, e Meu Bem Querer (1998). “Em Lua Cheia de Amor, eu tive um reencontro com o Francisco Cuoco”, conta.  Na TV Bandeirantes, atuou em O Campeão (1982), outra novela de Linhares, e na Manchete, em Mandacaru (1997), de Carlos Alberto Ratton.

 

 

Volta à Globo

Em 2001, Marília participou da minissérie Os Maias, adaptação de Maria Adelaide Amaral do romance de Eça de Queiroz, em que interpretou Maria Monforte, personagem que não existia na obra original. “Foi uma personagem que a Maria Adelaide Amaral inventou. Ela volta para ver essa tragédia que ocorre com os filhos. No livro, a personagem não volta: ela morre, e manda uma carta. Eu acho que talvez tenha sido, junto com Juliana de O Primo Basílio, o meu melhor trabalho na televisão”. Depois, foi Janis, a avó doidona de Começar de Novo (2004), escrita por Antonio Calmon, e a dissimulada e interesseira Milu de Cobras & Lagartos (2006), de João Emanuel Carneiro. “Como escreve o João Emanuel Carneiro! Eu tinha alguns monólogos dificílimos de serem decorados, e eu precisava decorar mesmo, como se fosse Shakespeare, porque o João Emanuel é um homem muito culto.”

No ano seguinte, viveu Gioconda de Queiroz Barreto, a esposa aristocrata do advogado Barreto (Stênio Garcia) em Duas Caras, de Aguinaldo Silva. A personagem sofreu uma grande transformação no fim da novela. “Gioconda tomava remédios para se acalmar, ela vivia sempre num barato. Até o momento em que se depara com uma realidade mais feroz. É quando ela vai para a favela e vai defender os interesses da família. A Gioconda termina como senadora.” No remake de Ti-Ti-Ti (2011), escrito por Maria Adelaide Amaral a partir do original de Cassiano Gabus Mendes, a atriz voltou a viver a Rafaela Alvaray de Brega & Chique. “Não foi a alma da Rafaela que voltou para Ti-Ti-Ti, foi a lembrança do personagem. Porque eu não sei como estaria a Rafaela hoje. Mas eu adorei que a Maria Adelaide quisesse, também, lembrar”.

Marília também interpretou Catarina Faissol, dona de uma revista de fofocas em A Vida Alheia (2010), seriado criado por Miguel Falabela. “Isso também é a minha história com Miguel. A primeira vez na vida que tive a coragem de dirigir uma peça de teatro aconteceu porque ele e Marília Padilha foram à minha casa e praticamente me obrigaram a dirigir uma peça com os dois, que se chamava A Menina e o Vento, da Maria Clara Machado, em 1978. A Catarina era muito rica, elegante. Miguel sempre fantasia que eu posso fazer ricas”. Do autor fez também o longa-metragem Polaróides Urbanos (2008), estreia dele como diretor de cinema, e a novela Aquele Beijo (2011), na pele de outra mulher rica, a empresária Maruschka Lemos de Sá. “A diferença entre essas duas, a Catarina e a Maruschka, é que a Maruschka é mais metida a gata”, diz. A partir de 2013 passou a encarar Darlene no seriado Pé na Cova.

Atuação no cinema

No cinema, também estrelou filmes como Pixote, a Lei do mais Fraco (1980), de Hector Babenco; Bar Esperança (1983), de Hugo Carvana; Anjos da Noite (1986), de Wilson Barros; Dias Melhores Virão (1988) e Tieta do Agreste (1995), ambos dirigidos por Cacá Diegues; Central do Brasil (1996), de Walter Salles; e O Viajante (1998), de Paulo César Saraceni. Marília recebeu importantes prêmios no teatro. Com a peça Fala Baixo, Senão eu Grito, de Leilah Assumpção, encenada em 1969, recebeu vários prêmios de Melhor Atriz. Ganhou duas vezes o Prêmio Moliére: a primeira delas foi em 1974, por sua atuação em Apareceu a Margarida, de Roberto Athayde, sob a direção de Aderbal Freire Filho; e a segunda, dez anos depois, pelo trabalho em Brincando em Cima Daquilo, de Dario Fo, dirigida por Roberto Vignatti. Em 1977, recebeu o Prêmio Mambembe de melhor atriz por O Exercício, de John Lewis Carlino, dirigida por Klauss Vianna. Também se destacou na direção de Marco Nanini e Ney Latorraca na peça Irma Vap, de Charles Ludlan, que estreou em 1986 e ficou mais de dez anos em cartaz. 

Depois de O Teu Cabelo Não Nega, a atriz voltou a interpretar Carmen Miranda no espetáculo A Pequena Notável (1966), dirigido por Ary Fontoura; em A Tribute to Carmen Miranda, no Lincoln Center, em Nova York (1975), dirigido por Nelson Motta; em A Pêra da Carmem, em 1986 e em 1995; e no musical Marília Pêra canta Carmen Miranda (2005), dirigido por Maurício Sherman. Marília interpretou outras mulheres célebres como a cantora Dalva de Oliveira (no musical A Estrela Dalva, em 1987), a diva Maria Callas (na peça Master Class, em 1996), a estilista Coco Chanel (na peça Mademoiselle Chanel, em 2004), a ex-primeira dama do Brasil Sarah Kubitschek na minissérie JK (2006), de Maria Adelaide Amaral.

A atriz Marilia Pêra faleceu aos 72 anos, em casa, na manhã do dia 5 de dezembro de 2015. Ela lutava contra um câncer havia dois anos.  

Depoimentos concedidos ao Memória Globo por Marília Pêra em 11/04/2001 e 01/08/2011.]

 

EXCLUSIVO NO MEMÓRIA GLOBO

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DESTAQUES DE MARÍLIA PÊRA NA GLOBO

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