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Jornalismo e democracia, uma nova relação na era digital

Postado por: Carlos Castilho | 0 comentários

Bastião da democracia, patrulheiro do governo, formador de bons cidadãos, defensor do interesse público. Os leitores de jornais estão acostumados com estas definições, ou caracterizações da atividade jornalística, repetidas constantemente tanto pelos donos de empresas como por teóricos da comunicação. Mas estes conceitos estão começando a mudar.

Em 1995, James Carey, um dos ícones da cultura jornalística norte-americana afirmou: “O jornalismo é um sinônimo de democracia, ou, noutras palavras, você não pode ter jornalismo sem democracia” [extraído do texto “Where journalism education went wrong”, de James Carey, disponível aqui]. A frase de Carey, um dos pioneiros no estudo da relação entre jornalismo, comunicação e cultura, acabou se transformando na base de uma percepção do jornalismo como um componente do contexto político institucional, desde o início do século 20.

A associação entre jornalismo e democracia foi triplamente útil. Aos donos de empresas, porque ofereceu uma justificativa ideológica para seu negócio. Para os profissionais, um escudo ético para o seu quotidiano, enquanto os pesquisadores acadêmicos passaram a buscar uma resposta para o dilema: “Qual o grau de democracia necessário para o exercício do jornalismo?”

Estudos citados pela pesquisadora australiana Beate Josephi, em seu artigo “How much Democracy Needs Journalism?”, contestam a afirmação de que o jornalismo só poderia existir em países em plenamente democráticos. Um dado numérico contradiz também o suposto cordão umbilical entre a democracia e o jornalismo. Segundo um informe da Associação Mundial de Jornais (World Association of Newspapers), a imprensa cresceu mais em países onde a entidade aponta restrições ao fluxo de informações, como os situados na Ásia e na África. [No informe divulgado em 2010, com base em dados do período 2004/2009, a imprensa asiática, em especial a chinesa e a indiana, cresceu 30%, enquanto nos EUA e Europa a queda foi de respectivamente 10,6% e 7,9%.]

O paradoxo indica que mesmo com limitações impostas por governos, castas, empresas ou grupos políticos, o jornalismo é capaz não apenas de sobreviver como de crescer em circunstâncias adversas. Mostra também que a hegemonia da cultura informativa ocidental está cedendo terreno a outras culturas como parte da globalização noticiosa. E deixa transparente a defasagem nos processos de transição da era analógica para a digital na base social de países ricos, pobres e em desenvolvimento.

A prova talvez mais evidente da quebra dos paradigmas de associação entre jornalismo e democracia é o caso da rede de televisão árabe Al Jazeera, um dos fenômenos mais controvertidos na comunicação mundial. A rede registra um surpreendente crescimento para públicos muito diferentes, inclusive o norte-americano, mesmo sendo controlada por um governo conservador e que restringe o livre fluxo de informações domésticas no emirado do Catar.

A ideia central por trás da associação entre democracia e jornalismo é a de que a função da imprensa é formar cidadãos capazes de fazer o sistema político funcionar eficientemente. Esta ideia está perdendo o seu caráter hegemônico na medida em que as novas tecnologias de informação e comunicação (TICs) conferiram relevância crescente à produção de conhecimento como elemento-chave para o desenvolvimento social, econômico e político.

O novo parâmetro não é mais prioritariamente o funcionamento de um sistema político, mas a forma como o jornalismo contribui para a produção de conhecimento socialmente relevante por meio da diversificação de dados, percepções e informações. A política não deixará de existir, mas ela cumprirá uma função mais relacionada à comunicação interpessoal do que ao exercício do poder.

Trata-se de uma mudança de paradigmas que está ainda em fase incipiente, mas que promete muita discussão em todos os níveis. A liberdade no fluxo de informações já não é mais apenas uma reivindicação libertária, mas passa a ser também uma exigência econômica para a produção de conhecimento voltado para a inovação tecnológica.

Facebook, a outra cara da campanha eleitoral

Postado por: Carlos Castilho | 2 comentários

A campanha política via Facebook está mostrando uma curiosa e interessantíssima diferença no comportamento dos eleitores. Nas redes virtuais, os posicionamentos pessoais são muito mais diversificados – o que torna o debate pré-eleitoral mais variado e atrativo, embora a baixaria se faça presente com alguma intensidade.

Enquanto os jornais, revistas e até a televisão apresentam uma campanha eleitoral altamente regulamentada e inevitavelmente aborrecida, os internautas têm mais espaço para divergir e polemizar. Nota-se também uma clara separação etária na forma como o debate eleitoral é percebido. A geração mais velha segue a política pela mídia convencional, que prioriza a cobertura da baixaria na internet, fazendo com que o seu público ignore o que está sendo discutido nas redes sociais.

Os mais jovens, por seu lado, rejeitam o horário eleitoral gratuito e passam ao largo das manchetes de jornais ou revistas. Sua participação nas discussões virtuais está marcada pela frustração e pela insistência no desejo de serem ouvidos. Trata-se de um comportamento muito parecido com o que predominou nas manifestações de junho do ano passado, que se transformaram numa espécie de paradigma de interpretação da conduta política da geração com menos 30 anos.

Estima-se que cerca de 40 milhões de jovens brasileiros tenham acesso regular às redes sociais por computador e por telefone celular. É um contingente respeitável tomando em conta o seu poder de circular opiniões e percepções, embora pelo menos metade deles não esteja capacitada a votar. É este público que a imprensa convencional está deixando de lado e consequentemente pagando o preço da associação a um tipo de campanha eleitoral pouco atrativa para os mais jovens.

Quem está apostando, e alto, no público virtual é a empresa Facebook, que lançou em 2012 um aplicativo chamado Custom Managed Audiences (Gestão personalizada em audiências) que permite desenvolver mensagens com alto grau de personalização. O aplicativo cruza o conteúdo dos bancos de dados de partidos ou movimentos políticos com o as informações contidas nos perfis dos usuários do Facebook.

A ferramenta foi testada inicialmente para fins comerciais, especialmente no marketing, mas desde o ano passado começou a ser usada, com resultados surpreendentes, em campanhas eleitorais nos Estados Unidos. Além de permitir que os candidatos digam a cada eleitor o que ele gostaria de ouvir, o software permite uma economia de até 50% nos gastos de uma campanha eleitoral, conforme dados da Comissão Federal Eleitoral dos Estados Unidos.

Esta personalização das mensagens eleitorais é outra grande diferença entre o debate político nas redes sociais e a campanha na mídia convencional, que precisa ser pouco diferenciada para atrair a atenção de públicos massivos. Quando você acompanha a política dentro do seu grupo de amigos no Facebook, as divergências de opinião podem ser agudas, mas há um clima quase familiar, enquanto na mídia convencional predomina o distanciamento e a indiferença.

A campanha eleitoral via internet tem duas características bem marcantes: o comportamento minimamente civilizado nas páginas pessoais em redes sociais; e a presença marcante da baixaria, especialmente em comentários postados em sites de comentaristas políticos da imprensa ou de candidatos. A imprensa convencional demoniza os comentários grosseiros e tenta transformá-los numa marca registrada da internet, ignorando o fato de que os trogloditas políticos sempre existiram. A única diferença é que agora eles podem se expressar de forma fácil e barata. Para neutralizá-los não podemos recorrer à equivocada tese de que eliminando o mensageiro, acabamos com as mensagens que nos desagradam.

O debate público sobre as campanhas eleitorais pela internet ainda é muito reduzido no Brasil e fortemente condicionado pela mentalidade reguladora. É inútil usar normas antigas para controlar um novo contexto social e político. A personalização do debate eleitoral nas redes sociais quebra radicalmente o modelo vigente de propaganda e marketing político adotado pela maioria esmagadora dos políticos e partidos no país.

Há várias outras diferenças na campanha feita em ambiente virtual/personalizado e no analógico/massivo, mas uma delas é fundamental: a principal preocupação das pessoas no Facebook é compartilhar opiniões, dados e percepções com pessoas conhecidas, enquanto na mídia convencional o compartilhamento é estruturalmente impossível. Enquanto no terreno virtual as pessoas falam e podem ser ouvidas, no espaço físico a estrutura dos meios de comunicação impede a interatividade.

Nichos informativos como alternativa de emprego para jornalistas

Postado por: Carlos Castilho | 0 comentários

Como começar no jornalismo? Há alguns anos esta pergunta teria uma reação imediata: procure um jornal. Mas, em tempo de crise na imprensa, a resposta não é mais rápida e muito menos fácil para mais de 50% dos estudantes diplomados anualmente por faculdades de jornalismo no Brasil. No entanto, algumas experiências aqui e no exterior já permitem apontar uma direção.

Duas pesquisadoras norte-americanas trabalham há um ano para mostrar que o futuro imediato dos novos profissionais – e também dos que perderam seus empregos – está no chamado jornalismo de nicho, especializado num único tema. As conclusões do estudo devem ser divulgadas em outubro e comprovam que a alternativa é viável e, mais do que isso, já produziu casos considerados de sucesso na imprensa norte-americana, a mais competitiva do mundo.

O jornalismo de nichos noticiosos é uma variante do jornalismo praticada há muitos anos, mas que ganhou notoriedade com a ampliação do uso da Web como plataforma para a veiculação de notícias. O custo de produção e distribuição na era analógica inviabilizavam as iniciativas focadas num único tema e voltadas para segmentos específicos do público. A digitalização e a internet mudaram radicalmente esse quadro porque o custo da distribuição caiu a quase zero ao mesmo tempo em que o da produção limita-se a um computador, alguns programas, tempo e acesso à internet.

Danny Sullivan conhece bem esta receita porque ele é considerado um dos mais bem-sucedidos jornalistas que optaram pela exploração de um nicho de notícias. Em 1997, ele criou o site Search Engine Watch com notícias e dicas sobre como fazer buscas na internet, um ano antes do Google ser oficialmente lançado. Em 2006, Danny vendeu o Search Engine Watch por 46 milhões de dólares e criou o Search Engine Land, que dirige até hoje.

Lara Setrakian, uma das responsáveis pela pesquisa promovida pelo Tow Center, da Universidade Columbia, em Nova York, é a criadora do site Deeply Syria, especializado na cobertura dos conflitos na Síria, que se transformou na grande fonte de informações para toda a imprensa norte-americana sobre a crise naquele país árabe. A opção por nichos informativos tornou-se uma mina de ouro para muitos profissionais experientes e mais recentemente passou a ser também a estratégia adotada pela maioria das escolas de jornalismo dos Estados Unidos na formação de novos jornalistas, como é o caso da Universidade de Nova York (CUNY).

A prática do jornalismo especializado autônomo não é muito diferente da desenvolvida em redações ou coletivos de profissionais, mas ela exige muito em matéria de pesquisa, reflexão, conhecimento e, principalmente, credibilidade. Lisa Williams, criadora um blog para ensinar programação para jornalistas, usou a sua experiência para sugerir quatro regras básicas para quem deseja aventurar-se no mundo dos nichos noticiosos. E nenhuma das quatro regras tem a ver com tecnologia ou jornalismo, e sim com comportamentos e atitudes pessoais.

As quatro regras de Lisa são:

1. Nunca ofereça grátis algo que você pretende cobrar mais tarde. Uma mudança de comportamento como esta, irrita e afasta quem acreditou e gosta do material que você publica;

2. Evite de todas as formas possíveis que um projeto comprometa suas relações afetivas. Os projetos podem ser substituídos, amigos e parentes, não. Eles são o principal apoio nos inevitáveis tempos difíceis no início do projeto;

3. Seja o mais amplo possível na sua especialização. Parece contraditório, mas não é. Um nicho precisa ser informativamente muito completo e diversificado para concorrer com sites generalistas já estabelecidos. Quem procura um nicho quer algo especial e único;

4. Procure descobrir: você pode tocar o projeto sozinho? Esta é uma pergunta considerada básica porque no início não será possível contratar ninguém e nenhum serviço. Começar endividado ou com compromissos fixos, como salários, é o caminho mais curto para a frustração.

A estas regras poderíamos somar mais algumas recomendações fruto de experiências pessoais. A principal delas é relativa à sustentabilidade financeira do jornalista que está começando um blog sobre um nicho informativo. Escolha uma área que você gosta muito. Algo que seja quase um hobby, porque você vai precisar muito do prazer para aguentar um bom tempo sem uma recompensa financeira animadora. Durante algum tempo será necessária uma fonte suplementar de renda que não pode, no entanto, tirar tempo do trabalho no nicho noticioso.

Outros profissionais que enveredaram pelo caminho do trabalho noticioso autônomo são unânimes em sugerir um relacionamento intenso com os leitores de seu blog ou página pessoal. Mantenha sempre aberta a área de comentários do blog ou página.

A relação de quem está começando com os leitores não pode ser unidirecional, e sim de mão dupla. Quando um jornalista escolhe um nicho noticioso para explorar é inevitável encontrar pessoas que sabem mais do que ele. Em situações como esta, o ideal é estimular a colaboração e a reciprocidade, porque quem conhece muito de um assunto normalmente tem amigos que compartilham o interesse e podem ser muito úteis na formação de uma comunidade de leitores.

A multiplicação de nichos informativos é um dos prováveis sustentáculos futuros dos grandes veículos de comunicação jornalística. Um jornal, por exemplo, não pode ter uma equipe de repórteres suficientemente grande para fazer a cobertura de assuntos locais numa grande cidade. É muito caro e, por isso, muitos já estão recorrendo a nichos jornalísticos hiperlocais sempre que algo ocorre na área de abrangência do projeto independente.

relacionamento entre empresas jornalísticas e profissionais autônomos ainda é instável, mas tende a se consolidar para atender necessidades de ambos os lados. Os jornais terão que contar com uma rede de nichos noticiosos autônomos para obter matéria-prima informativa, enquanto os blogs e páginas noticiosas autônomas terão que lograr um retorno financeiro compensador. 

2014, a eleição dos partidos ‘faz de conta’

Postado por: Carlos Castilho | 3 comentários

A eleição de 2014 marcará o auge de um processo de esvaziamento dos partidos brasileiros que sobrevivem apenas em função da burocracia do sistema jurídico e do corporativismo dos políticos. A miríade de siglas legalmente registradas configura um cenário fantasmagórico onde as identidades, programas, projetos e ideologias acabaram pasteurizadas a ponto de ninguém hoje conseguir distinguir quem é quem no sistema partidário.

As evidências estão materializadas no noticiário pré-eleitoral da imprensa, que é uma coadjuvante compulsória neste processo de alienação partidária no Brasil. A mídia esperneia, reclama, mas pouco faz para mudar o status quo.

Antigamente, os partidos se distinguiam mais pelos seus programas e ideologias do que pelos candidatos. Hoje é o contrário, os programas e ideologias são acomodados segundo os interesses do candidato.

A mais nova evidência dessa inversão de prioridades é o caso da ex-ministra Marina Silva, que surgiu na política às custas da inovadora ideia da sustentabilidade como parâmetro principal para o desenvolvimento econômico. Como não conseguiu que a Rede Sustentabilidade fosse reconhecida legalmente como partido, Marina correu para os braços do Partido Socialista Brasileiro para tentar se eleger vice-presidente da República. Com a morte do candidato Eduardo Campos, a ex-ministra do Meio Ambienta acabou na cabeça da chapa socialista.

O PT, cujo sucesso eleitoral no início do século foi alavancado pela imagem operária e pelo sonho de mudança, hoje se transformou num aglomerado de interessados em cargos públicos e na continuidade no poder. O PSDB não tem mais nada da ideologia socialdemocrata. O mesmo vale para o extinto trabalhismo no PTB. 

Até os herdeiros do comunismo no Brasil adotaram um discurso revisionista em relação aos princípios do marxismo-leninismo. O Partido Socialista Brasileiro (PSB), que é outra sigla surgida da socialdemocracia, não conseguiu se atualizar ideologicamente e perdeu identidade, processo similar ao do PDT, que na falta de Brizola se transformou numa legenda de ocasião.

A maioria absoluta dos partidos políticos brasileiros transformou-se em meros trampolins para personalidades interessadas num emprego parlamentar. Cumprem uma função burocrática determinada pela Justiça Eleitoral como parte da legislação vigente. Entre elas, o polêmico loteamento do horário eleitoral gratuito, que de tanto ser regulamentado para atender a egos e interesses se transformou numa caricatura da ribalta eleitoral.

Como os programas passaram a depender das estratégias eleitorais e dos interesses dos candidatos, os conteúdos ideológicos e programáticos divergem apenas nos detalhes, quase sempre de difícil compreensão pelo eleitor. Outra consequência é a formação de alianças partidárias materializadas em coligações esdrúxulas, que contribuem ainda mais para a perda de credibilidade dos partidos.

A mística ideológica responsável pelo passionalismo de pleitos passados foi substituída pela magia do marketing eleitoral, cujos meandros são conhecidos apenas por uns poucos especialistas contratados a peso de ouro. Eles trabalham em função de resultados e migram para quem paga mais ou a quem dedicam maior simpatia, sem se importar muito com os princípios teóricos.

O sistema partidário brasileiro é um cadáver insepulto, cujo óbito os políticos não têm coragem de atestar porque isso ameaçaria posições e vantagens conquistadas. Passamos a viver uma ficção alimentada por fantasmas cuja existência nos obriga a refletir até que ponto o público e a imprensa acabaram se acostumando com o faz de conta partidário, protagonizado por 32 siglas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O desafio não é acabar com os partidos políticos, mas sim o de evitar que desvirtuem o exercício da democracia, da qual eles, teoricamente, são uma peça básica.

O jornalista como profissional do conhecimento

Postado por: Carlos Castilho | 1 comentários

A revolução digital ampliou e diversificou o protagonismo dos indivíduos na comunicação interpessoal em ambientes sociais, conferindo uma importância crítica à organização deste monumental fluxo de mensagens contendo dados e informações. O jornalista é parte insubstituível neste ordenamento, mas as regras que orientam a sua atividade diária já não são mais as mesmas.

O crescimento exponencial da oferta de dados e informações tornou obsoleta a função de coletar, formatar e distribuir notícias, que caracterizou o trabalho dos jornalistas durante os últimos 200 anos. A nova realidade digital está impondo ao jornalista a missão de dar significado às notícias, mais do que simplesmente passá-las adiante. Noutras palavras, gerar fluxos de notícias para alimentar a produção de conhecimento que permitam às pessoas evoluir social e economicamente.

Até agora o jornalista era um operário na linha de montagem das notícias que servem de moeda de troca com a publicidade e, com isto, viabilizavam o negócio da imprensa. Na hora em que é levado a se transformar num profissional do conhecimento, o jornalista necessita rever sua rotina de trabalho, valores profissionais e comportamentos sociais.

Mas a grande mudança está nos objetivos da atividade profissional. Embora a indústria dos jornais, revistas e audiovisual não vá desaparecer, o jornalista passará a trabalhar pensando cada vez menos na rentabilidade do negócio e mais nas necessidades e desejos dos receptores de notícias. Em vez do patrão, a referência básica passa a ser a comunidade de leitores, ouvintes e telespectadores. 

Os jornalistas já ouviram muitas vezes esta mesma frase na boca dos executivos da imprensa, mas agora ela tende a se transformar no mantra do dia a dia da atividade, ao orientar o comportamento do profissional no chamado engajamento comunitário. Este engajamento permite que o jornalista identifique na comunidade à qual está vinculado os dados que serão estruturados como notícias, que por sua vez provocarão debates sobre os quais será construído o conhecimento individual e coletivo.

A agenda da imprensa sempre deu um tratamento diferenciado às notícias conforme o seu objetivo. Algumas são consideradas utilitárias porque estão orientadas para:

1. A melhoria do desempenho pessoal e a eficiência nas atividades exercidas pelo leitor, ouvinte ou telespectador;

2. Ampliar a qualidade e quantidade no consumo individual;

3. Oferecer opções diversificadas de lazer.

São notícias onde é fácil estabelecer a relação custo/beneficio porque a demanda e a oferta são claramente identificadas. Em compensação, as notícias relacionadas ao que genericamente é conhecido como interesse social recebem menos atenção da imprensa porque, em geral, tratam de temas complexos como meio ambiente, programas energéticos, saneamento básico, drogas ou atenção à velhice, por exemplo. A diferença básica está entre as notícias que o público quer ler e aquelas necessárias ao exercício da cidadania. As primeiras são reguladas pelo mercado (oferta e procura), ao passo que as de interesse público dependem de motivação intelectual que nem sempre encontra uma compensação financeira.

O jornalismo voltado para a produção de conhecimento preenche a lacuna criada pelas deficiências do mercado na satisfação das necessidades informativas de interesse público porque pode atender interesses e demandas altamente segmentadas. Esta possibilidade está apoiada no uso de internet e da computação, que permitem uma personalização do fluxo de notícias em espaços informativos de dimensões reduzidas – como uma rua, um bairro ou uma especialidade profissional.

A mídia de massa só consegue equilíbrio financeiro quando atende a públicos pouco diferenciados, o que impede a atenção às necessidades informativas de grupos sociais numericamente reduzidos. A monetização tradicional dos conteúdos jornalísticos é inviável no ambiente online porque a avalancha informativa reduziu a zero o custo marginal da notícia (custo de reprodução de uma notícia). Por isso, o jornalista que optar pelo trabalho na internet precisa apostar na produção de conhecimento para buscar uma relação custo/benefício capaz de assegurar a sua sobrevivência.

Esta aposta não é apenas uma questão econômica, mas é essencialmente a recuperação do princípio da função pública do jornalista, perdida ao longo dos anos, por conta da sua inserção da atividade na linha de produção das indústrias de produção de notícias. O lado financeiro continua essencial à sobrevivência dos profissionais, mas ele não é mais o fator determinante no exercício da atividade. O jornalista é um protagonista indispensável para as pessoas desenvolverem conhecimento e com isso aumentar o capital social das comunidades onde vivem. 

Notícia líquida, jornalismo fluido

Postado por: Carlos Castilho | 2 comentários

Parece jogo de palavras, mas não é. A notícia deixou de ser algo estático, definitivo e acabado. A avalancha informativa na internet permite agregar novos detalhes, de forma ininterrupta. A notícia torna-se assim algo, por natureza, mutável, líquida como a água. Isso faz com que o jornalismo acabe assumindo também características fluidas, sem verdades definitivas, sem categorias fixas e, sobretudo, assumindo a dúvida e a relatividade como constantes no ato de informar.

Esta nova forma de caracterizar a notícia e conceber a atividade jornalística tem a ver com a nova realidade que estamos vivendo, onde dicotomias tipo bom/mau, bonito/feio, verdadeiro/falso ou justo/injusto são cada vez mais relativizadas na medida em que a diversidade de dados veiculados pela internet permite multiplicar as visões de um mesmo fato, número ou evento.

Nessas circunstâncias, o leitor, ouvinte, telespectador ou internauta acaba tendo que revisar seus comportamentos e seus valores gerando dois tipos de postura: assumir a fluidez do ambiente informativo ou agarrar-se aos comportamentos e valores conhecidos e seguros, apesar de questionados pela realidade que nos cerca.

A imprensa brasileira, e também a de outros países, vive hoje o dilema de abandonar rotinas, valores e procedimentos tidos como seguros para aventurar-se no terreno desconhecido e inseguro do novo, daquilo que ainda não foi testado e experimentado. Isso reflete um divisor de águas de toda a sociedade contemporânea, que vive um momento de transição de modelos, que lembra o início da revolução informativa provocada pela descoberta dos tipos móveis, por Gutenberg, na metade do século 15.

A atual campanha eleitoral não é apenas uma corrida entre candidatos e uma disputa entre grupos políticos e econômicos pela conquista de mais quatro anos de controle da máquina estatal. Ela é também um laboratório para as empresas de comunicação e para os jornalistas, onde está sendo posta à prova a relação entre a imprensa e os leitores.

A “onda” Marina mostrou que existe um movimento difuso, sem líderes, sem propostas estruturadas e fora dos padrões ideológicos convencionais que, volta e meia, emerge no cenário político nacional, como aconteceu nas manifestações de junho do ano passado e na eleição de Lula, em 2002. São manifestações de uma bolha de inconformismo social que a imprensa não consegue entender e, por isso, é sempre apanhada de surpresa, adotando geralmente a posição conservadora ao não conseguir enquadrar o fenômeno dentro do seu modelo de análise da realidade.

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