IMPRENSA PARAENSE

O Liberal de volta à realidade

Por Lúcio Flávio Pinto em 03/04/2006 na edição 375

A Delta Publicidade, empresa responsável por O Liberal, mantém completo silêncio sobre a manipulação da tiragem do jornal, constatada nos dois relatórios de auditoria produzidos pelo IVC no ano passado e divulgados há três semanas pelo Diário do Pará. A fraude é escandalosa, jamais registrada com essas proporções na história da imprensa brasileira (e talvez mundial): a "informação jurada" do editor do jornal ao Instituto Verificador de Circulação aumentava (na situação menos grave) em 50% ou até três vezes a circulação líquida realmente paga do jornal da família Maiorana. A diferença entre a quantidade de jornais que eram impressos e o volume de vendas efetivas superou, no primeiro semestre de 2005, 50 mil exemplares. Explicação dada pela empresa: esses jornais eram distribuídos como "cortesias", que somavam mais do que o total de exemplares comprados pelo público.

Revelada a conclusão da auditagem, o diretor-geral IVC, Ricardo Costa, se limitou a fazer uma notificação extrajudicial do Diário do Pará, indicando que podia processar o jornal por divulgar sem autorização o conteúdo de relatórios que circulam apenas entre associados da instituição. Mas não negou a veracidade das informações publicadas pelo jornal do deputado federal Jader Barbalho ao longo de cinco dias e reproduzidas em outros veículos de divulgação. Um deles foi o site especializado Comunique-se, que repercutiu o assunto. O IVC teve a possibilidade de desmascarar uma possível fraude nos relatórios por parte do jornal concorrente de O Liberal. Mas não o fez. Dessa maneira, acabou confirmando, por via indireta, que os dados realmente são verdadeiros: o jornal líder de mercado no Pará mentiu grosseiramente sobre a sua circulação paga real.

Segundo a própria fonte, a questão já foi submetida ao comitê editorial do IVC. Sempre que a discrepância entre a "informação jurada do editor" e os números auditados pelo IVC excede 4%, esse é o procedimento padrão do instituto. Comprovada a fraude, o responsável pode ser punido, independentemente da apuração sobre o vazamento de uma informação de natureza reservada, como são os relatórios da organização.

Já não parece haver mais dúvida de que os documentos foram repassados ao Diário do Pará por uma empresa jornalística com sede no Nordeste – talvez em Recife, mas, com maior probabilidade, em Salvador. Os jornais dessas duas praças, os de maior tiragem na região, sentiam-se cada vez mais incomodados com a propaganda de O Liberal, de ser o maior jornal do Norte e Nordeste do Brasil.

Usando esse título, o jornal dos Maiorana não apenas obscurecia a imagem dos confrades nordestinos: prejudicava também o seu faturamento, já que teriam circulação bem inferior ao do maior jornal do Norte e Nordeste do país. Um dos critérios para a definição do valor da centimetragem de publicidade nos jornais e dos programas de mídia das empresas e suas agências de propaganda é o "custo por mil". O preço do anúncio de um jornal pode ser maior se dá mais retorno do que o anunciante consegue em outro jornal de tiragem inferior. Por esse critério, a partir da auditagem do IVC, é evidente que as tabelas de preços de O Liberal estão superdimensionadas.

Silêncio misterioso

Esses preços terão que cair a partir de agora? É a conseqüência lógica, mas não foi ainda o que aconteceu. Tanto as empresas quanto suas agências tratam da questão com extremo cuidado, receando represálias caso tentem impor um novo padrão de relacionamento comercial com o diário da família Maiorana. Mas as agências e empresas de fora poderão não ter a mesma cautela. Certamente aguardarão pela arbitragem final do comitê editorial do IVC para definir seus planos de mídia, com pleno embasamento técnico. Mas se o conteúdo dos relatórios revelado em primeira mão pelo Diário do Pará está correto, essa decisão é apenas uma questão de tempo.

Como mantém absoluto e constrangedor silêncio sobre questão de tanta gravidade como essa, o grupo Liberal provavelmente não tomará qualquer iniciativa para rever sua tabela de preços, ajustando-a espontaneamente à realidade de fato e não ao faz-de-conta quem tem sido o seu procedimento. Mas o dia a dia irá impondo novas iniciativas. As empresas que encartam propaganda no jornal não deverão mais aceitar que aos domingos tenham que pagar por 100 mil ou 90 mil exemplares, como vinham fazendo. O número real está abaixo de 40% desse valor. Continuarão a aceitar a ficção, que lhes é tremendamente onerosa?

Quaisquer que venham a ser os desdobramentos dessa novela de má extração moral, uma coisa pode ser considerada como certa: acabaram-se os anúncios que proclamavam as gigantescas tiragens do jornal com base em boletins do IVC. Por que o instituto manteve silêncio sobre essa pantomima por tanto tempo, a serem confirmados seus relatórios, é o mistério. Mais um nessa seqüência, que já tem tantos capítulos percorridos. A história durará mais quanto tempo?

***

Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)

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