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Postado em 30/05/2014 por Dirceu Alves Jr | Comentários

Em cartaz com “Vidas Privadas”, a atriz Lavínia Pannunzio fala sobre o teatro em sua vida: “se é para enlouquecer, que seja da melhor maneira”

Lavínia Pannunzio no camarim de "Vidas Privadas"; (Foto: Fernando Salles)

Lavínia no camarim de “Vidas Privadas”: pesadelos ao imaginar que não vibraria na plenitude da personagem (Foto: Fernando Salles)

Radicada em São Paulo há duas décadas, a mineira Lavínia Pannunzio, de 48 anos, contraria o estereótipo atribuído aos seus conterrâneos. Ela fala muito, de forma direta e sem formalidades. É uma artista que passa longe dos clichês, apresentando um repertório diversificado e sempre desafiador. Em cartaz no Teatro Jaraguá, Lavínia surpreende a quem a associa aos papéis densos, tensos e intensos com a comédia “Vidas Privadas”, do inglês Noel Coward. Quer dizer… A libertária Amanda Pryne é também tudo isso, só que muito divertida. Sob a direção de José Possi Neto, o espetáculo ainda tem no elenco José Roberto Jardim, Daniel Alvim e Maria Helena Chira. E vamos deixar de blá, blá, blá…

Com “Vidas Privadas”, você encontra um tipo de teatro mais comercial, de inegável qualidade e que existe em qualquer lugar do mundo onde há pluralidade artística. No entanto, esse tipo de teatro é um tanto desprezado por muitos atores paulistanos. Você concorda com isso?

Sim, eu concordo com tudo isso e nós sabemos que há um preconceito, um desprezo, como você falou, não só de atores, mas de grande parte das pessoas que fazem e pensam o teatro em São Paulo. O que é uma coisa horrorosa porque o preconceito deveria ser banido do nosso vocabulário. Porque ele é fruto da mais pura ignorância e a matéria com que a gente lida no teatro é abrangente demais. O teatro é um espaço democrático, e a pluralidade nos salva de qualquer hipótese medíocre de olhar, pensar e viver a vida.

Como é transitar por qualquer tipo de plateia?

É a melhor coisa que eu poderia desejar como atriz.

Existe um desafio maior em um espetáculo “comercial”, já que provavelmente você vai dialogar com um público mais abrangente?

Essa qualificação de “teatro comercial” tem distorções equivocadas. Todas as vezes em que eu tive a oportunidade de me apresentar para plateias cheias foi maravilhoso, a menos que eu pretendesse fazer um espetáculo em espaços pequenos, que atenderiam ao propósito do trabalho em questão.

Amanda é uma personagem de época e tão libertária. Isso é fascinante, não? 

A Amanda é o máximo! É livre, fascinante, engraçada, patética, falível. “Ela é trágica. O destino dela é bagunçar tudo”. Foi muito desafiador fazê-la porque eu não gostaria de jeito nenhum de atrapalhar o carisma que ela tem. Tive pesadelo só de imaginar não conseguir vibrar na plenitude dela, fazer por menos, ficar aquém, não estar aberta, não estar presente o bastante para permitir que a inteligência, a graça, o humor e o trágico aparecessem. Mas acho que essa é a chave. Estar aberta e atenta. Estar ali.

Como foi encontrar José Possi Neto, que já dirigiu as maiores feras do teatro brasileiro?

O José Possi Neto é a única coisa que podia ter me acontecido nesse momento. É um homem amoroso na vida, então a atmosfera criada para esse trabalho promove uma força violenta em todos nós que estamos ali. O mérito de transformar esse papo de teatro comercial e blá, blá, blá que tem sido produzido desde que estamos divulgando o espetáculo em uma obra a ser usufruída em sua excelência é todinho dele. Todo o blá, blá, blá preconceituoso foi por terra porque Possi permitiu a fruição dessa via teatral que a peça é. Ele abriu o olhar profundamente para esse texto e para o encontro com as pessoas todas que agregou para isso acontecer. 

+Leia entrevista com o diretor José Possi Neto.

Ano passado, você venceu o Shell de melhor atriz pelo espetáculo “Um Verão Familiar”. O que um prêmio importante muda na trajetória de uma atriz já reconhecida? É vitrine ou serve mais para alimentar a vaidade?

Visibilidade é das coisas que a gente quer, não? A gente trabalha para que a obra tenha visibilidade. Quando alguém responde afirmativamente para tudo isso, é muito bacana. Mas o prêmio não está nas esferas do nosso domínio. Não contempla nem a quase totalidade do que se tem por aí. Na proporção em que a gente trabalha, seriam precisos muitas mais premiações e maiores valores de prêmios do que o que a gente tem hoje. Imagine prêmios para a crítica, por exemplo? Você acha que haveria mais engajamento? Mais envolvimento? Mais paixão? Isso seria um exercício e tanto, hein…

José Roberto Jardim e Lavínia em "Vidas Privadas": um casal libertário e sem pudores (Foto: Marco Lima)

José Roberto Jardim e Lavínia em “Vidas Privadas”: sem pudores (Foto: Marco Lima)

Como o teatro entrou na sua vida? Existia já uma raiz familiar ou você precisou de uma revolução dentro da sua casa para trabalhar como atriz?

Acho que tiveram uns medos familiares sim, da liberdade, da dureza da vida de artista, mas minha família sempre foi muito parceira minha. A minha avó Joaninha, que passou parte de sua vida em um colégio interno, encenava com a gente, suas netas, dramas musicais românticos. Éramos bem crianças e fazíamos cenas de amor, vingança, morte por envenenamento, tudo contracenando com ela. Era incrível! Eu diria que Dona Joaninha me iniciou nas artes do palco. Depois disso, aos 14 anos, ainda em Uberlândia, eu comecei a fazer teatro. Uma peça por ano, uma única apresentação. Até que eu entrei para a Unicamp em 1985. De lá para cá foi um pulo, um casamento, dois filhos e a mudança definitiva para São Paulo em 1993.

Tem dois filhos? Achei que fosse um…

Eu tenho dois, um com quase 24 anos e o outro com 22. Nenhum deles escolheu, pelo menos ainda não, trabalhar com teatro, o que eu adoraria. Mas os dois são caras com muito estilo, vivem suas vidas com arte, o que pra mim significa que sabem viver. Uma coisa que poucos sabem fazer.

Você é uma atriz que comumente muda de cara para interpretar uma personagem. Fica loira, morena, corta o cabelo, emagrece, fica mais ou menos sensual… Essa transformação física é fundamental para alcançar a psicologia do personagem? 

Não acredito em psicologia de personagem. Acredito em linguagem. Em figuras que orbitam em espaços, nas suas formas. Eu acredito na sonoridade das palavras proferidas, na presença e inteligência dos atores em cena. Na construção dessas identidades. Então eu deixo meu corpo e meu organismo à disposição de tudo isso.

É muito raro você estar fora do palco. É um desejo de estar sempre em contato com a arte ou é mesmo uma necessidade de trabalhar, a sua forma de ganhar a vida e não ficar sentada esperando a chegada de um papel dos sonhos?

É tudo isso junto e misturado.  Eu vivo do meu trabalho, portanto não dá para ficar sem fazer nada. Além do mais, se eu não me conectar com o pensamento e com a vida de forma criativa, eu piro. Felizmente, eu já entendi que o teatro me permite alçar todos os voos. Se é para enlouquecer, que seja da melhor maneira.

Bastidores: Lavínia com o diretor José Possi Neto e o figurinista Fábio Namatame (Foto: Divulgação)

Lavínia com o diretor José Possi Neto e o figurinista Fábio Namatame: transformação de época em “Vidas Privadas”  (Foto: Divulgação)

Seguindo na mesma história, você acredita que exista o papel dos sonhos ou o ator pode transformar os personagens e fazê-los bem?

Acho que tem papel dos sonhos, mas a ideia de desvendar as poéticas é muito excitante.

E vamos lá… Quais seriam seus personagens dos sonhos? Uma obviedade para muitas atrizes é a Madame Clessi, de “Vestido de Noiva”. Esse já foi no ano passado. Tem outros?

A Martha de “Quem Tem Medo de Virginia Woolf?” é uma personagem dos meus sonhos. Tenho a impressão de que eu venho me preparando para ela em cada trabalho que faço desde “Honey”, que a Fernanda D’Umbra dirigiu maravilhosamente bem em 2009. Mas eu tenho vontade de conhecer por dentro vários autores e diretores, a tal ponto que acho que minha existência não vai dar conta. A Madame Clessi, por exemplo, se não fosse o Eric Lenate dirigindo, eu não sei quando teria tido a oportunidade de conhecer. Foi com ele e através da sensibilidade e da inteligência dele, no ambiente que ele criou pra nós, que eu pude conhecer e fazer revelar aquela Clessizinha brazuca e humana da nossa montagem.

Você é uma atriz – e também diretora – que defende muito os seus espetáculos. Lembro de algumas conversas que já tivemos sobre críticas publicadas por mim ou outros jornalistas. Até que ponto nessa e em outras defesas está a profissional apaixonada ou a profissional crítica? 

As coisas não se separam. Eu sou profissional, sou apaixonada e meu pensamento não para. “Covil da Beleza”, do Eduardo Ruiz, por exemplo, é um texto fabuloso que dirigi. Reflete crítica e poeticamente o tempo em que estamos vivendo. E sofreu, na época, todo tipo de preconceito. Nós montamos o elenco e a equipe ideal para aquela obra. Quem assistiu teve a oportunidade de ver isso. Ele era quase uma instalação do comportamento humano, elaborado por cada um de nós que estivemos envolvidos com o trabalho. E o espetáculo foi privado de ser visto e fruído como obra por causa de críticas negativas. Vejo muitas opiniões, opiniões muito pessoais. Não serve ao diálogo com uma obra. Eu espero que cada obra posta em cena, desbunde em muito pensamento, em muita articulação mental e estética. É esse diálogo que eu fantasio que artistas e críticos tenham. Nós estamos todos no mesmo barco.

A diretora foi uma consequência do trabalho da atriz experiente ou veio de uma necessidade de diversificação?

Dirigi teatro pela primeira vez em um momento de vacas bem magras. Eu inventei de transpor para o palco o livro “Era Uma Vez um Rio”, de minha mãe, Martha Pannunzio, talvez para não pirar, para não me desconectar da vida. Porque além de dura, eu tava pirando mesmo naquela época. Então aquela ocupação intelectual e artística me recolocou no meu lugar criativo, de onde eu sei que não posso sair, para o bem da minha vitalidade. No processo da transposição do livro, eu planejei um espetáculo que me deu enorme vontade de realizar. Eu me inscrevi em editais e leis de incentivo, e o projeto foi aprovado. Primeiro em Uberlândia, onde fizemos um trabalho bárbaro para mais de 100 000 estudantes, e, depois aqui, numa outra versão, mais punk do mesmo livro. A realidade da relação com os rios em São Paulo é assustadora. O tratamento para obra deveria ser mais contundente. Foi aí que eu entendi que estava diversificando no teatro. Eu posso olhar para cada obra, em conexão com os autores que escolho dirigir. Acredito que, pelo fato de ser atriz, me interessa muito instaurar atmosferas para que os atores – e os criadores que trabalham comigo – mergulhem profundamente no universo que estamos conhecendo e tridimensionando.

Em 2009: Lavínia Pannunzio e Fernanda Gama na peça "Honey", de Shelagh Delaney, dirigida por Fernanda D'Umbra (Foto: Edson Kumasaka).

Em 2009: Lavínia Pannunzio e Fernanda Gama na peça “Honey”, dirigida por Fernanda D’Umbra (Foto: Edson Kumasaka).

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Postado em 29/05/2014 por Dirceu Alves Jr | Comentários

Três versões de “Navalha na Carne” ganham a cena

"Navalha na Carne":  (Foto: Bob Sousa)

“Navalha na Carne”: Fransérgio Araújo, Wilson Loria e Anette Naiman (Foto: Bob Sousa)

Hoje um clássico indiscutível, “Navalha na Carne” projetou o nome do dramaturgo santista Plínio Marcos (1935-1999) e também lhe rendeu muitas dores de cabeça com a censura. Escrito em 1967, o texto gira em torno de três personagens marginalizados pela sociedade: a prostituta Neusa Sueli, o cafetão Vado e o homossexual Veludo. A peça já foi estrelada com sucesso por Tônia Carrero, Glória Menezes, Louise Cardoso e Denise Weinberg, entre outras grandes atrizes, e volta e meia ganha novas remontagens. No momento, três versões da mesma obra podem ser vistas nos palcos paulistanos. Conheça um pouco delas.

“Navalha na Carne”

O cafetão Vado (interpretado por Fransérgio Araújo) percebe que o dinheiro da prostituta Neusa Sueli (papel de Anette Naiman) não foi repassado a ele. A suspeita de roubo recai sobre Veludo (o ator Wilson Loria), faxineiro homossexual da pensão. Direção de Marcos Loureiro (50min). 14 anos.

Teatro Garagem (25 lugares). Rua Silveira Ro­­­drigues, 331, Lapa, ☎ 99122-8696. Sexta e sábado, 21h30; domingo, 20h. R$ 40,00. A bilheteria abre uma hora antes. Até 6 de julho. A estreia estava prometida para sexta (30).

"Navalha Nova": Adriana Alencar, Alexandre Meirelles e Caio Salay (Foto: Cosmo Anastasi)

“Navalha Nova”: Adriana Alencar, Alexandre Meirelles e Caio Salay (Foto: Cosmo Anastasi)

“Navalha Nova”

Inspirado no clássico do dramaturgo santista, o autor e diretor Tony Giusti transforma Neusa Sueli (papel de Adriana Alencar) em uma universitária que trabalha como garota de programa. Ela sustenta o namorado (o ator Alexandre Meirelles) e troca  confidências com o amigo gay, vivido por Caio Salay (60min). 14 anos. Estreou em  23/4/2014.

Top Teatro (70 lugares). Rua Rui Barbosa, 201, Bela Vista, ☎ 2309-4102. Quarta e quinta, 20h. R$ 30,00. A bilheteria abre uma hora antes. Até dia 26.

"Por Acaso, Navalha": (Foto: Ronaldo Dimer)

“Por Acaso, Navalha”: Bárbara Salomé e Humberto Caligari (Foto: Ronaldo Dimer)

“Por Acaso, Navalha”

A Cia. Caxote inaugura espaço próprio, localizado na Pompeia, com a montagem dirigida por Fernando Aveiro. Os atores Bárbara Salomé, Murilo Inforsato e Humberto Caligari levam ao palco os três personagens marginalizados (55min). 16 anos. Estreou em 3/5/2014.

Espaço Mínimo (20 lugares). Rua Barão do Bananal, 854, Pompeia, ☎☎ 97419-0259. Segunda e sábado 21h; domingo 19h. R$ 30,00. A bilheteria abre uma hora. Até 4 de agosto.

Postado em 28/05/2014 por Dirceu Alves Jr | Comentários

Juca de Oliveira estreia solo de “Rei Lear” depois da Copa

Juca de Oliveira: solo inspirado em "Rei Lear" estreia em julho (Foto: Divulgação)

Juca: adaptação de “Rei Lear” ganha a cena em 18 de julho (Foto: João Caldas)

O grande Juca de Oliveira volta aos palcos em 18 de julho, menos de uma semana depois do fim da Copa do Mundo. Sob a direção de Elias Andreato, o ator está mergulhado nos ensaios do monólogo “Rei Lear”, que são realizados todas as tardes em uma sala do Colégio Dante Alighieri, nos Jardins, desde a primeira semana de abril. A estreia está prometida para o Teatro Eva Herz, da Livraria Cultura, com sessões nas sextas e sábados, às 21h, e nos domingos, às 19h. Os ingressos custam R$ 60,00.

Trata-se de uma adaptação de Geraldo Carneiro para a tragédia clássica de William Shakespeare. Na trama, o homem velho ficou sábio. O rei enlouquece após a decepção de ser traído por duas das três filhas, para as quais havia legado seu trono. Juca interpreta Lear e todos os demais personagens.

Postado em 27/05/2014 por Dirceu Alves Jr | 8 comentários

Centro Internacional de Teatro Ecum: pedido de tombamento como bem cultural

Centro Internacional de Teatro Ecum: movimento na Rua da Consolação (Foto: Divulgação)

Centro Internacional de Teatro Ecum: prédio da Consolação deve ser entregue até o dia 1º de julho (Foto: Divulgação)

O mais importante teatro alternativo de São Paulo na atualidade corre o risco de ter as portas fechadas no próximo domingo, 1º de junho. Inaugurado em fevereiro de 2013, o Centro Internacional de Teatro Ecum movimenta desde então a programação da cidade com três salas e espetáculos de segunda a segunda. Os ingressos normalmente não ultrapassam os 40 reais.

Os proprietários do prédio, na Rua da Consolação, 1623, pediram o imóvel para vendê-lo para uma incorporadora que pretende construir um empreendimento imobiliário no local. Com isso, o teatro precisaria ser entregue até 1º de julho, data do término do contrato.

A Cooperativa Paulista de Teatro entrou com um pedido de tombamento como bem cultural no Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) e ainda não obteve resposta. Seria um recurso semelhante ao que preservou o Cine Belas Artes. O CIT-Ecum tem curadoria de Maria Thais e Antônio Araujo, consultoria artística de Ana Teixeira e Fernando Mencarelli e coordenação artístico-pedagógica de Ruy Cortez.

+ Leia entrevista com Ruy Cortez realizada em julho de 2013. 

Está marcado para o sábado (31), às 23h, o espetáculo “Cabarezinho”, idealizado e dirigido por Luiz Gayotto. Tato Fischer, Rei Salles, Paula Pretta, MicroPop e Coro Cabarezinho comandam uma festa-manifestação em repúdio ao fechamento do teatro e à especulação imobiliária em São Paulo.

Postado em 22/05/2014 por Dirceu Alves Jr | Comentários

Emilio Orciollo Netto sobre “Também Queria Te Dizer”: “desembolsei 30 000 reais e foi a melhor coisa que fiz”

Emilio Orciollo Netto: temporada paulistana até dia 1 (Fotos: Lu Fregolente)

Emilio Orciollo Netto: temporada paulistana no Teatro Eva Herz (Fotos: Lu Fregolente)

O ator paulistano Emilio Orciollo Netto, de 40 anos, faz no dia 1º de junho a centésima apresentação de um projeto muito pessoal. Com o monólogo tragicômico “Também Queria Te Dizer”, o artista superou um desafio profissional sonhado há muitos anos. No palco do Teatro Eva Herz, ele dá vida a seis personagens extraídos do livro de Martha Medeiros sob a direção de Victor Garcia Peralta. Para viabilizar o projeto, Orciollo desembolsou 30 000 reais e recuperou uma coragem às vezes escondida em duas décadas de carreira.

O fato de você ser um ator de 40 anos influenciou na escolha por um projeto formado por personagens mais confessionais?

A vida da gente se mistura o tempo todo com a carreira. Então, vi que era hora de dizer algumas coisas, bem como os personagens fazem, até porque minha história pessoal entrou em outro momento. Estou mais maduro como ator e também não sou mais um garoto. Tenho responsabilidades, inclusive com o público. Quando decidi montar essa peça, eu estava vindo de uma comédia que adorei fazer, “Os Difamantes”. Foram quatro anos em cartaz, sendo dois deles no Rio de Janeiro, ao lado da Maria Clara Gueiros. Em São Paulo, fiz com a Paula Cohen. Queria me dar um presente, enfrentar um desafio maior. Quando estreei “Também Queria Te Dizer” no Rio, eu olhei para a plateia e dei de cara com o Guilherme Leme, o Selton Mello e a Maria Clara. São pessoas que admiro, por quem tenho muito respeito profissional, então precisava dar o meu melhor. No final, eu ouvi gente falando: “eu entendo por que o Emilio decidiu fazer esse texto”.

Você estudou na Escola de Arte Dramática (EAD), a instituição mais tradicional do Brasil. O senso de responsabilidade vem de lá?

É um aprendizado que carrego da minha formação. A EAD faz você estabelecer um compromisso com sua arte. Não importa o gênero ou o tipo de arte que você pratica, mas é fundamental estar comprometido com ela. Ninguém passa impune por lá, né? No primeiro dia de aula, já ouvimos histórias como a da sopa que o Alfredo Mesquita (fundador da EAD) oferecia aos alunos. Quando prestei, eram quase mil candidatos. Como eu não vou valorizar e carregar comigo essa experiência?

Quem era sua turma na EAD?

Minha turma era muito bacana. Fui colega do Marcello Airoldi, Fabiana Gugli, Paula Cohen, Gustavo Machado, gente que seguiu trabalhando muito bem por aí.

Como você descobriu as cartas masculinas da Martha Medeiros?

O Victor Garcia Peralta me apresentou vários textos. Um deles foi o “Monster”, do Daniel MacIvor. Felizmente, eu não fiz (risos). Ainda mais vendo o trabalho maravilhoso do Enrique Diaz na montagem dele. No final de 2011, durante uma turnê, o livro da Martha caiu em minhas mãos e eu o devorei em uma tarde no hotel. Fiquei encantado. Vi que tinha teatro ali. Estreamos no Rio em novembro de 2012. Na última sessão de São Paulo, no dia 1º de junho, vai ser a centésima apresentação.

+ Leia entrevista com a escritora Martha Medeiros.

O que mais te encantou no texto?

Tem horas que você pensa que aquele texto foi escrito pelo Mário Bortolotto ou pelo Jô Bilac. Não, foi pela Martha Medeiros mesmo. Existe também a versão feminina, que foi montada pela Ana Beatriz Nogueira e são cartas mais ternas. As masculinas têm outro tom. Elas são mais fígado, são mais pâncreas mesmo. 

Emilio Orciollo Netto

Orciollo: seis personagens e debate no final das sessões de “Também Queria Te Dizer”

Você bancou o projeto com dinheiro do seu bolso?

Desembolsei 30 000 reais e foi a melhor coisa que fiz. Nem sempre vale a pena esperar pelo patrocínio. Claro, é muito importante receber um, viabiliza muitas coisas, inclusive viabilizou essa temporada em São Paulo. Mas muitas vezes o patrocínio demora muito – ou nem sai. E você perde a hora de fazer um trabalho que deseja muito no momento em que seria importante. Quando saí da EAD, eu queria montar “Anti-Nelson Rodrigues”. Sou apaixonado pela história do Oswaldinho e da Joyce e acho curioso que a maioria das pessoas fala que é um texto menor do Nelson. Muita gente carrega um sonho pela vida afora e nunca o concretiza. Decidi correr atrás. Também estou entre os produtores de um filme, “Por Trás do Céu”, dirigido pelo Caio Sóh, um cara muito talentoso, marido da Nathalia Dill.

Mas cinema já é um sonho bem mais caro do que o teatro, não?

É preciso investir um pouco mais de 30 000 reais (risos). No elenco, somos eu, Nathalia Dill, Everaldo Pontes e Paula Burlamaqui. Filmamos na Paraíba, durante a temporada da peça em São Paulo. Eu fazia o espetáculo no domingo e corria para o aeroporto. Voava para João Pessoa e, na segunda, estava no set. Na sexta, voltava para o palco.

Essas investidas de produtor são viabilizadas porque você é contratado da Rede Globo, certo?

Claro que é possível eu me produzir e fazer trabalhos diferentes porque tenho uma segurança oferecida pela Rede Globo. Sou contratado desde 2006 e, logo que terminou “Amor à Vida”, renovei até 2017. Nesse momento, eu quero contar histórias que esteja a fim. Na televisão, nem sempre você vive o personagem que sonha, então é preciso buscá-los no teatro e no cinema. Também estreio como diretor com a peça “Atrás da Porta”, escrita por Guilherme e Fernando Scarpa. São dois casais que acertam as contas em uma cozinha. Entramos em cartaz em 19 de julho no Teatro Glaucio Gill, no Rio.

Você percebe que o seu trabalho na televisão leva público para o teatro?

Eu acredito que quem faz novela tem o compromisso de formar público. Para mim, o Antonio Fagundes é o maior exemplo. Ele é um trabalhador. Está sempre na televisão sem jamais deixar o palco. O público de televisão vai ver o ator da novela em uma peça. Se ele gostar, vai ver a sua peça seguinte e, assim, é despertado o interesse dele por outros espetáculos também.

No dia em que assisti ao espetáculo, você convidou a plateia para um debate e fiquei surpreso com a pertinência das perguntas do público. Esse bate-papo é uma rotina?

Eu tive essa ideia depois de ver o debate sobre “Vermelho”, espetáculo com o Fagundes, e resolvi testá-la. Encontro pessoas com um raciocínio muito lógico, interessadas no conceito da montagem, em saber como ela foi concebida. Ninguém pergunta dos personagens que fiz nas novelas, por exemplo. Faço questão de levar esse papo para todas as cidades por onde passo. Em São Luís, no Maranhão, tive uma experiência emocionante. Uma senhora perguntou se poderia declamar uma poesia. O marido dela tinha morrido em um acidente de carro. Ela se identificou com um dos personagens do espetáculo. Foi muito bonito.

Postado em 21/05/2014 por Dirceu Alves Jr | Comentários

Bibi Ferreira está de volta com suas histórias e canções

A atriz, cantora e diretora Bibi Ferreira retorna ao Teatro Shopping Frei Caneca (Foto: William Aguiar)

A atriz, cantora e diretora Bibi Ferreira retorna ao Teatro Shopping Frei Caneca (Foto: William Aguiar)

Sempre é tempo de ver e rever Bibi Ferreira. Até em meio a uma polêmica Copa do Mundo rolando no Brasil. Sucesso da temporada paulistana de 2012, o espetáculo “Bibi – Histórias e Canções” volta ao cartaz no mesmo Teatro Shopping Frei Caneca no próximo dia 30. Desta vez, a temporada será nas sextas e sábados, às 21h, e nos domingo, às 19h, até 27 de julho. Os ingressos variam entre R$ 120,00 e R$ 160,00.

+ Leia crítica do espetáculo

Com direção cênica de João Falcão, Bibi revisita sete décadas de carreira e as histórias de uma vida de quase 92 anos. Apoiada por 21 instrumentistas, a estrela interpreta marchinhas, árias de óperas e canções como “Non, Je Ne Regrette Rien”, tema de um de seus espetáculos mais famosos, “Piaf”. Outro sucesso do teatro revivido é “Gota d’Água”, de Chico Buarque e Paulo Pontes. Irônica e no pleno domínio técnico, Bibi transita pelo drama, pela comédia e até pela tragédia com sutileza. A regência musical de Flávio Mendes. Em outras palavras, não perca!

Postado em 20/05/2014 por Dirceu Alves Jr | Comentários

Italiano Enrico Bonavera abre projeto “De Vez em Quarta, Teatro” no Itaú Cultural

Enrico Bonavera: a peça "L' Affaire PicPus abre projeto no Itaú Cultural (Foto: Roberto Croce)

Enrico Bonavera: o ator apresenta no dia 28 a peça “L’ Affaire Picpus” com entrada franca (Foto: Roberto Croce)

O Itaú Cultural, ali no comecinho da Avenida Paulista, abre no dia 28 o projeto “De Vez em Quarta, Teatro”. Uma vez por mês haverá a apresentação gratuita de um espetáculo no auditório do prédio, que comporta 249 espectadores. Para cortar a faixa, o escalado é o ator italiano Enrico Bonavero com a montagem “L’Affaire Picpus”. dirigido por Christian Zecca e inspirado no conto “O Nariz”, do russo Nikolai Gogol.

Nome expressivo da commedia dell’arte, Bonavero interpreta um sujeito à procura do próprio nariz, que ganhou vida e desapareceu pelo mundo. Nervoso, ele começa a buscá-lo nos lugares mais variados e entra em crise ao descobrir que seu nariz virou uma celebridade: aparece na tevê, ganha muito dinheiro, viaja com mulheres belíssimas e acaba se tornando presidente da nação. Os ingressos devem ser retirados no local no dia da sessão com trinta minutos de antecedência.

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Postado em 18/05/2014 por Dirceu Alves Jr | Comentários

Na Virada Cultural, “Doze Homens e Uma Sentença” foi um momento único

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Na Grécia antiga, berço do teatro, as manifestações artísticas eram consideradas rituais. Muito disso se perdeu ao longo de mais de 2000 anos, mas algo da magia se conserva em torno do caráter único de uma encenação bem-sucedida. Em tempos de câmeras fotográficas ou filmadoras ao alcance de muitos dos simples mortais, essa conversa pode parecer uma teoria ultrapassada. A apresentação do espetáculo “Doze Homens e Uma Sentença”, sob a direção de Eduardo Tolentino de Araújo, dentro da programação da Virada Cultural, no entanto, comprova a força ainda inigualável de um momento assim.

A pontualidade, incomum inclusive nas salas convencionais, já se mostrou presente na noite do sábado (17). O relógio marcava 20h30 quando o elenco se posicionou no palco erguido do Pátio do Colégio, ao lado da Praça da Sé, no centro de São Paulo. Oitocentas cadeiras de plásticos formavam a plateia lotada – e, principalmente, atenta. Um público surpreendente para um espetáculo previsto para durar quase duas horas e sem nomes populares no elenco. Um drama de tribunal! Não se tratava de uma comédia digestiva – aliás, o palco dedicado ao stand-up estava montado a poucos metros dali, na Praça da Sé – e, muito menos, de um musical, gênero que tem sido responsável pela maior circulação de pagantes na atualidade.

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Apenas para situar você, leitor, vamos lá para uma rápida sinopse. “Doze Homens e Uma Sentença” é um drama de tribunal. Por coincidência, exatamente atrás do palco montado está o prédio histórico da Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania, cenário involuntário. O texto escrito pelo americano Reginald Rose mostra uma dúzia de sujeitos encarregados de chegar a um veredicto. O réu foi acusado de assassinar o pai, e a decisão precisa ser unânime para executá-lo ou absolvê-lo. Todo o conflito começa quando um dos doze jurados opta pela dissonância e abala a convicção do grupo, até então decidido pela condenação.

Desde a estreia, em novembro de 2010, essa foi a primeira vez que a peça foi apresentada com os atores usando microfones. Sim, por mais potente, não tem como a voz alcançar um espaço tão amplo. Não foi o maior público. Durante a turnê portuguesa, a montagem ocupou salas para mais de 1200 espectadores em Lisboa e Braga. Calcado nos diálogos, o espetáculo exige atenção do espectador e, cinco minutos depois do início, problemas na captação do som já começaram a anunciar uma possível catástrofe da apresentação. Quem está acostumado aos teatros convencionais poderia estar profundamente incomodado. Aquele público, entretanto, não parecia se abalar. E, em se tratando da Virada, é isso o que interessa.

Os olhos da grande maioria ficaram vidrados no palco. Ninguém empunhava máquinas fotografias e tampouco se ouvia o irritante barulho de telefones celulares, tão comuns em teatros e cinemas. Doze minutos depois do início, as primeiras baixas. Duas moças se levantaram das cadeiras, prontamente ocupadas por uma dupla que estava de pé na lateral. Nos próximos cento e poucos minutos, não mais de uma dezena entregou os pontos. Com o andamento do espetáculo, os atores pelo visto aprenderam a controlar seus microfones, e o som – ainda longe do ideal, claro – pareceu se tornar uma questão menos grave.

Em meio a tantos olhos atentos, os de uma pessoa começou a chamar a atenção deste que vos escreve. Eram os de Ana Maria Fonseca, uma das quinze seguranças terceirizadas contratadas para zelar pela ordem naquele palco da Virada. Sem se descuidar do trabalho em momento algum, ela aproveitava a oportunidade rara de assistir a uma peça de teatro. “Você conhece alguns desses atores?”, perguntei a ela, baixinho. “Eu conheço a maioria deles de ver nas novelas. Esse que falou agora era o pai daquela menina autista na novela das nove”, respondeu Ana Maria, referindo ao ator Genézio de Barros, que participou de “Amor à Vida”. “Eu queria mesmo era poder tirar fotos deles para postar no meu facebook, mas como estou trabalhando, não posso, não é?”, completou Ana Maria, retomando a concentração dividida entre a peça e o seu trabalho.

Público acompanhou o espetáculo “Doze Homens e Uma Sentença” no palco montado no Pátio do Colégio (Dirceu Alves Jr.)

Público acompanhou o espetáculo “Doze Homens e Uma Sentença” no palco montado no Pátio do Colégio (Dirceu Alves Jr.)

Ana Maria tem 48 anos, é casada com um motorista de caminhão, mãe de oito filhos e avó de onze netos. Mora na Vila Nova York, na Zona Leste, e já trabalhou em eventos como a São Paulo Fashion Week e a Parada do Orgulho LGBT. Na Virada, é a segunda vez. Também faz artesanato com reciclagem e bolsas de crochê. “Eu estudei o primário em um internato na Liberdade, e a gente assista a muitas peças de teatro por lá”, lembra ela. “Depois disso, eu vi muita pouca coisa porque não sobra dinheiro e o governo investe muito pouco em eventos como esse.”

Em meio à plateia também estava o ator Zécarlos Machado, o psicólogo Théo do seriado “Sessão de Terapia”, que integrou o elenco de “Doze Homens e Uma Sentença” por dois anos e meio. “As pessoas estavam ligadaças e quando falavam entre elas era para comentar alguma coisa a respeito da peça. Foi sensacional”, comentou Machado, no final da apresentação, lá por 22h30 mais ou menos. “Você percebe a força do espetáculo ao fazê-lo nessas condições.”

O diretor Eduardo Tolentino de Araújo respirou aliviado depois dos aplausos. No início da sessão, muitas vezes, ele não disfarçava a preocupação, principalmente diante dos problemas de microfonia. “Claro que o espetáculo perde muito em qualidade, mas foi legal, deu tudo muito certo”, disse ele. Sobre a surpreendente concentração do público, Tolentino arrematou: “as plateias populares são muito mais comportadas e atentas que as de classe média”.

Para o ator Norival Rizzo, as pessoas embarcaram na história. “Tenho a impressão de que a plateia entendeu muito bem e reagiu na hora certa”, comentou um dos protagonistas. A diretora de produção, Ana Paz, confessou que estava preparada para uma catástrofe. “Depois que topamos fazer essa apresentação, há uns vinte dias, eu pensei que não tinha como dar certo, mas fico feliz em ver que estava enganada, não podemos menosprezar o público”, afirma ela.

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Missão cumprida, e o elenco seguiu para jantar em um restaurante conhecido da classe teatral, perto da Praça Roosevelt. Todos comeram e beberam certos de que participaram de um momento único, talvez de um ritual, como aqueles da Grécia Antiga. O repórter aqui tomou um táxi e comentou com o motorista que o levou para casa do quanto tinha sido diferente aquela apresentação, principalmente por ter visto um público tão interessado no que estava assistindo. Oseás Pereira, pouco mais de um mês como chofer de praça, nem de lembra da última vez que assistiu a uma peça de teatro. Sabe que faz muito tempo e talvez ainda fosse criança.

Ele deu, no entanto, uma justificativa, que pode explicar a sensação daquele público. “A surpresa, o frio na barriga, é o que tem de mais legal no teatro. Qualquer coisa pode acontecer. Cinema também é bom, mas daqui a pouco você já pode ver o filme na televisão”, comentou Pereira. É… O teatro é um momento único.

Postado em 15/05/2014 por Dirceu Alves Jr | Comentários

Nilton Bicudo sobre “Myrna Sou Eu”: “com ela, eu me tornei um protagonista”

Nilton Bicudo: ator (Foto: Lenise Pinheiro)

O ator paulistano Nilton Bicudo: “sempre fui muito tímido” (Foto: Lenise Pinheiro)

O ator Nilton Bicudo é uma figura. E daquelas bem raras. Engraçado, atrapalhado, com a fala um pouco atropelada, o paulistano de 47 anos se transforma no palco e até parece outra pessoa. Não menos figura, claro. No momento, a gente pode falar da conselheira sentimental do espetáculo “Myrna Sou Eu”, em cartaz todos os sábados, às 18h, no Teatro Eva Herz. Com roteiro e direção de Elias Andreato, Niltinho, como é chamado pelos colegas, dá um show na pele da jovem senhora, um tanto descrente do amor, que servia de pseudônimo para Nelson Rodrigues assinar crônicas no Diário da Noite. Mas esse artista já perdeu as contas das peças que fez, dirigiu mais ou menos uma dezena de outras, passou pela televisão e, no cinema, acaba de filmar uma participação na comédia “Um Candidato Perfeito”, protagonizado por Leandro Hassum.  Em tempo, “Myrna Sou Eu” vai ter uma semana especial. Na segunda (19), a personagem ocupa o palco da Biblioteca Mário de Andrade, às 19h, em uma sessão gratuita. Aproveite! Enquanto isso, vocês podem ficar com as histórias de Niltinho.

Myrna é a grande personagem da sua carreira?

Não sei se é a minha grande personagem, mas certamente é que mais tive prazer em fazer até hoje. Sinto que tomei um espaço que conquistei em passos muito lentos. Com ela, eu me tornei um protagonista. Sempre fiz coadjuvantes, rodeado por grandes colegas, com quem aprendi muito. Com Myrna, finalmente eu vivo a chance de saborear o meu momento. E pode ser um pequeno sucesso, afinal, faço em um teatro de 160 e poucos lugares, com uma sessão semanal, mas é lindo. Casa lotada, as pessoas compram ingressos com antecedência. O Nelson Rodrigues chama público.

Por que esse protagonismo demorou tanto para chegar?

Eu nunca tive essa ambição. Sempre fui muito tímido. Sou animado em mesa de bar. Na vida, eu sempre fui muito neurótico, não durmo sem tomar remédios, então tudo na minha carreira foi devagar. Aos poucos, fui me domando, entende? Mesmo com esse perfil, eu nunca deixei de trabalhar. Por mais que eu não estivesse na linha de frente, eu sempre participei de uma peça atrás da outra, com atores legais. Quando protagonizei “Natimorto”, em 2008, eu passei a ter uma segurança maior, fui indicado para prêmio.

Nilton Bicudo em "Myrna Sou Eu": personagem enigmática (Foto: João Caldas)

Nilton Bicudo em “Myrna Sou Eu”: sessão especial no dia 19 (Foto: João Caldas)

Como começou o seu interessa pelo teatro?

Olha, eu sou formado em direito pela PUC. Com 22 anos, estava com a carteira da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) na mão, pronto para exercer a profissão e bateu um tremendo vazio. Talvez fosse até mais feliz hoje como um promotor ou um juiz, mas eu carregava essa coisa do teatro dentro de mim. No colégio em que estudei, em Higienópolis, o teatro fazia parte da grade curricular. Não era optativo. A gente fazia peças o ano inteiro. E lá tinha um teatrinho de cem lugares, com uma cortina vinho, uma gracinha. Chegou uma hora em que eu também dirigia montagens sobre a história do Brasil, sobre o Egito, era muito legal. O teatro também era a minha brincadeira infantil na sala de casa. Estava sempre interpretando. Os meus pais perceberam isso. Não deram força, mas também não reprimiram. Só pediram que eu fizesse uma faculdade. Mas eu não sabia nem por onde começar. Ninguém lidava com arte na minha família. Quem mais me incentivava era minha avó paterna, que era minha companheira de teatro. Toda quarta-feira, o nosso programa era ir ao teatro, jantar fora e depois eu dormia na casa dela. Parecia coisa de namorado (risos). Ela era fã de Dercy Gonçalves e Paulo Autran. Muitas vezes, vovó brigou na porta do teatro porque eu era menor e não queriam me deixar entrar nas peças.

E como se começa no teatro quando não se conhece ninguém no ramo?

Eu fiquei um ano bem perdido. Comecei a pintar para jogar para fora minhas emoções. Também passei a ir todos os dias na Igreja Santa Teresinha, que era perto da minha casa. Ficava lá rezando, tentando encontrar um caminho. Clarisse Abujamra e Antonio Fagundes, então casados, moravam no prédio da minha mãe e, em um jantar, me apresentaram ao Jorge Takla. Falei para o Takla da minha crise e ele sugeriu que eu fosse estudar teatro em Paris. Imagina… Já era um homem formado, não tinha dinheiro para isso, não podia mais depender do meu pai. Então ele me apresentou a Célia Helena, eu fiz um teste e, no semestre seguinte, estava na escola dela.

Você deu continuidade à vida de estudante? (risos). O curso de teatro não rendia dinheiro, certo?

Não! Eu fui ser lanterninha do show da Claudia Raia.

Como assim?

A Claudia Raia estreou o espetáculo “Não Fuja da Raia” no Procópio Ferreira, que, na época, era administrado pelo Jorge Takla. Eu me ofereci para ser lanterninha no teatro. O Takla duvidou que eu ficaria um mês. Durou um ano! As sessões eram de quarta a domingo. Eu e mais quatro pessoas iluminávamos as poltronas para o público encontrar o seu lugar. Com esse dinheiro, eu bancava o Célia Helena. Foi um curso de dois anos e meio e fazíamos uma montagem a cada semestre. Na formatura do curso, o Elias Andreato foi dirigir uma montagem de “Ifigênia”, de Euripedes, com a gente. Ele me deu um papel muito pequeno e me chamou para ser seu assistente de direção. Ali, eu conheci o homem que mais me incentivou na vida e me deu uma orientação profissional. O Elias é o cara com quem eu mais trabalhei. “Myrna” é um projeto dele e ele insistiu muito para eu fazer. Não me sentia preparado. Só depois de fazer “Coisa de Louco” meu primeiro monólogo, escrito pelo Fauzi Arap e dirigido por ele, senti que havia chegado a hora. Hoje, eu posso até dizer que prefiro monólogos. Ali, você precisa de uma concentração maior e não tem outro ator para te desconcentrar. O bate-bola é com o público.

Nilton Bicudo: ator (Foto: Divulgação)

Nilton Bicudo: ele filmou “Um Candidato Perfeito”, com Leandro Hassum  (Foto: Divulgação)

A televisão passou pela sua vida e não rendeu muito, não? O que aconteceu? Ela não aproveitou você?

Em 1995, eu fiz um mendigo em “Sangue do Meu Sangue”, no SBT. Era uma novela de época, com um elenco espetacular. Tinha Tônia Carrero, Marcos Caruso, Jandira Martini, Bete Coelho. Eu gostei. Vi que dava para fazer um bom trabalho. O Fauzi Arap, grande diretor e amigo, me entusiasmava muito a investir na televisão. Cheguei a fazer diversos comerciais. Em 1999, eu tive a grande chance na Rede Globo. Fui chamado para fazer um psicanalista na novela “Andando nas Nuvens”, com o Marco Nanini. Era uma participação de cinco capítulos. Deu tão certo que o personagem ficou três meses. Só que eu, na época, não entendi o significado disso.

Explica melhor isso…

Eu sou muito fechado. Sempre tive preconceito com esse ambiente de famosos, esse oba-oba de celebridade. Quando terminou a novela, o Maurício Sherman me chamou para fazer “Zorra Total”. Imagina… Eu recusei. Não queria integrar um programa de humor. Então, eu me empreguei numa peça infantil que foi um verdadeiro fracasso. O diretor catava crianças nas ruas do Bixiga para botar na plateia. Eu não fiz a política da televisão. Não armei contatos. Literalmente, eu virei as costas. Achava que talento era suficiente. Em 2002, a Globo me chamou de novo para fazer “Desejo de Mulher”, outra novela das sete. Eu cheguei por lá brigando por causa de dinheiro. Queriam me pagar menos do que eu esperava. Já rolou uma coisa esquisita de cara.

Mas você fez a novela…

Sim, chegamos a um acordo. Bem menos do que eu esperava. Não tinha hotel. Eu fiquei hospedado no apartamento do Matheus Nachtergaele no Rio e fazia uma peça na época. Com esse pacote, tudo ficou ok. A sorte é que a Alessandra Negrini e eu tivemos uma boa repercussão na novela. A personagem dela bombou. Não posso me queixar. Fiz várias participações em seriados como “A Diarista”, “Os Normais”, “Sob Nova Direção” e “Macho Man”. Eu gosto de fazer televisão, mas nunca tive jogo de cintura. Não soube pegar o bonde na hora certa.

Como é sua função de administrador do Teatro Alfredo Mesquita, que pertence à Prefeitura?

O meu lado advogado me preparou um pouco para o meu trabalho no Alfredo. Eu escrevo memorandos, planilhas, muitos carimbos, fecho borderô, mas eu gosto do meu trabalho por lá. Eu também sou uma espécie de zelador. Quando quebra uma torneira ou uma poltrona, eu providencio o conserto, entende? E não me importo. Sabe por que razão? Porque estou em um teatro. Eu faço um bem para eu teatro. Isso me deixa feliz. Eu recebo os artistas, faço a escala dos técnicos, armo eventos.

Nilton Bicudo e Tônia Carrero em "Chega de História": direção de Fauzi Arap (Foto: Alexandre Diniz)

Nilton Bicudo e Tônia Carrero em “Chega de História”: direção de Fauzi Arap (Foto: Alexandre Diniz)

 

Postado em 08/05/2014 por Dirceu Alves Jr | Comentários

José Possi Neto estreia “Vidas Privadas”: “existe uma plateia enorme à procura de entretenimento”

José Possi Neto: diretor (Foto: divulgação)

José Possi Neto: diretor da comédia “Vidas Privadas”, em cartaz no Teatro Jaraguá

Um dos mais prestigiados nomes do teatro brasileiro, o diretor José Possi Neto trilhou caminhos diferentes nos últimos anos. Comandou, entre outras coisas, os dois musicais protagonizados por Claudia Raia, “Cabaret” e “Crazy for You”, e descobriu que existe uma plateia em potencial para ser explorada. “Os musicais e as comédias leves cresceram muito em termos de público”, diz ele. A sofisticação do dramaturgo inglês Noel Coward é a fonte de seu novo trabalho, “Vidas Privadas”, que pode ser visto no Teatro Jaraguá. No palco, os atores José Roberto Jardim e Lavínia Pannunzio representam Elyot Chase e Amanda Pryne. Os dois já viveram um grande amor e, hoje, estão separados. Durante a lua de mel com seus respectivos novos parceiros (papéis de Daniel Alvim e Maria Helena Chira), eles se reencontram casualmente e decidem fugir para Paris. Em meio aos ensaios da última semana, Possi bateu um papo por telefone com o blog.

Uma obra contemporânea

“Noel Coward é um autor muito importante, sensacional em tudo o que fez na vida. Dá até raiva. Além de dramaturgo, foi roteirista, compositor, ator, diretor, tudo com brilhantismo. Essa peça é muito contemporânea, tanto que tem sido montada em vários lugares nos últimos anos. Londres acabou de receber uma montagem. “Vidas Privadas” fala de ciúme e de amores, amores violentos que podem se tornar impossíveis. Possibilita cada vez mais novas releituras, inclusive atualizadas. Mas optamos por ser fiel aos anos 30, quando o texto foi criado e encenado pela primeira vez.”

Fidelidade ao original

“As novas gerações precisam saber que a liberdade moral conquistada nas últimas décadas é herdada. Existe uma visão de que tudo o que vem daquele tempo é antiquado, ultrapassado. No intervalo entre a I e a II Guerra Mundial, muitos tabus foram quebrados. Inclusive porque as pessoas perceberam que a vida tinha que ser vivida com urgência. Todo mundo podia morrer se estourasse uma nova guerra. Existem dois casais no espetáculo. Um deles, vivido pelo José Roberto Jardim e pela Lavínia Pannunzio, é inconformado, irreverente. O outro, representado pelo Daniel Alvim e pela Maria Helena Chira, é mais conservador. Todas essas ideias estão embaladas em uma comédia de costumes com diálogos perfeitos. Os atores entraram de cabeça. Eu provoquei muito para eles se soltarem no início dos ensaios. Agora, eu preciso até ficar controlando um pouco (risos). Levantamos o espetáculo em quatro semanas. Fiquei completamente apaixonado pelo meu elenco e então tudo fluiu mais fácil. Eu percebo o quanto é importante trazer atores com experiência nessas encenações mais experimentais para esse tipo de espetáculo. Eles chegam com uma sede e uma gana que precisam ser exploradas.”

Agenda cheia

“Estou com uma rotina insana. Na semana que vem, eu ainda estreio no Teatro Sérgio Cardoso o espetáculo “Paixão e Fúria – Callas, o Mito”, que traz de volta aos palcos a grande Marilena Ansaldi. É maravilhoso vê-la dançando novamente! E a seguir já temos datas agendadas em Milão e Paris em teatros de primeira grandeza. No dia 15, “Crazy for You” entra em cartaz no Rio de Janeiro, mas a sessão de estreia para convidados vai ser apenas no dia 19, a única data em que poderia estar presente.”

Em 2015

“Para o ano que vem, eu tenho três projetos em andamento. Deve vir por aí um belo espetáculo sobre Caravaggio, em cima de um texto que já foi escrito pelo Franz Keppler. O Gabriel Braga Nunes vai protagonizar. Com a Christiane Torloni, eu vou montar “Master Class”. E ainda existe um convite da Time4Fun para produzir um grande espetáculo. Não é um musical. É teatro mesmo. A minha proposta foi uma adaptação de “Chatô, o Rei do Brasil”, do livro do Fernando Moraes. Estamos começando a pensar em elenco, em como vai ser tudo.”

O tempo do teatro

“Os projetos teatrais ficaram cada vez mais difíceis. Tudo demora muito. O produtor João Federeci me falou de “Vidas Privadas” há três anos e eu já disse que estava dentro. Foi uma batalha para concretizar e aconteceu agora. Antes, os espetáculos se bancavam sozinhos porque fazíamos sessões de quarta a domingo. O retorno de bilheteria cobria os custos. Hoje, os teatros precisam ser alugados para diferentes espetáculos na semana e alguns dias ainda têm eventos de empresas. Isso tornou o teatro mais difícil inclusive para o público.”

Em busca de um top de qualidade

“O fato é que hoje existe um número enorme de produções em cartaz e não foi feito um trabalho de formação de plateia para que o público se interesse por esses espetáculos. Não sei quem pecou nessa história. Não sei se foram os artistas, o governo, os meios de comunicação. Em contrapartida, existe uma plateia enorme à procura de entretenimento. Um campo imenso para musicais e comédias mais leves foi aberto. Os musicais e as comédias cresceram muito em termos de público. Isso aconteceu porque houve um investimento contínuo de produção. A Time 4Fun tem grande responsabilidade nisso. Ali, o espectador encontra um top de qualidade que vem se desenvolvendo cada vez mais. Não existe decepção. Para o resto do teatro, esse público não veio.” 

Comercial e experimental

“Hoje, nós ocupamos o teatro três ou quatro dias antes da estreia. Ensaiamos em outro lugar. No final da década de 70, eu entrava no teatro pelo menos vinte dias antes. Estamos encurralados. Mas qualidade significa empenho, criatividade e não necessariamente dinheiro. O artista precisa ser inventivo. Comecei a fazer sucesso no final do anos 70 com montagens de vanguarda. Trabalhei com os bailarinos Marilena Ansaldi, Ruth Rachou e Thales Pan Chacon. Nem imaginava que estávamos fazendo um gênero que seria chamado depois de teatro-dança. Ninguém tinha dinheiro, mas sempre exigimos um profundo rigor de nós mesmos e dos outros. Essa qualidade chamou a atenção de atores como Irene Ravache e Paulo Autran, que, logo, me chamaram para trabalhar com eles. Nesse momento, eu me transferi para o chamado “teatro comercial”, um teatro mais convencional. Aliás, existe um preconceito muito grande com esse nome, não? O critério do que significa “teatro comercial” se perdeu. Existe o teatro experimental e dele, muitas vezes, resultam obras maravilhosas. Em outras, verdadeiras bombas. E tudo bem… Um grande centro como São Paulo deve ter tudo. O ouro cultural deve conviver ao lado da merda porque senão a cidade vira uma província.”

Bastidores: ensaios de "Vidas Privadas" (Foto; Divulgação)

Bastidores de “Vidas Privadas”: Lavínia Pannunzio com Possi e o figurinista Fábio Namatame (Fotos: Divulgação)

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