August 05, 2004

No país do realismo fantástico

(uma história real, o realismo do título é literal)

Um chefe da maior biblioteca
disse que eu era excêntrico, bizarro,
por não me interessar por culinária,
mas por me dedicar à língua grega.

Como quem gentilmente mostra ao louco
o mundo além do manicômio, disse:
“Os livros que faremos com cardápios
deixarão os estômagos mais cultos”.

Tanta pompa no prédio neoclássico,
tanta história: apenas um verniz –
um tempero, seguindo o raciocínio.

Na volta à casa, no metrô, lembrei
do mito fundador, do velho bispo
Sardinha devorado pelos índios.

Postado por Pedro Sette Câmara às 12:06 AM

August 01, 2004

De apor barrete luso ao fero Dante*

Meus caros, na quarta-feira, 4 de agosto, haverá na Casa de Rui Barbosa (aqui no Rio) o lançamento da tradução do Inferno de Dante Alighieri pelo falecido Jorge Wanderley. Começa às 17h com um debate, e entre os debatedores estará o virtuose Paulo Henriques Britto. Às 19h30 começam a vender o livro. Eu estarei lá.

A Casa de Rui Barbosa fica na Rua São Clemente, 134. Deve ser bem perto do metrô de Botafogo.

Para quem não sabe, Jorge Wanderley traduziu todos os poemas avulsos de Dante, e também os poemas de Vita Nuova. É bem verdade que ele preferiu muitas vezes a eufonia ao significado, mas também é verdade que a tradução de poesia traz resultados sempre "provisórios", em que o caráter de arranjo fica muito evidente para quem conhece a língua de partida e a de chegada, de modo que transformar esta simples observação em uma acusação seria pura mesquinharia. Quem quiser, que traduza melhor.

Mas bem. Meu italiano é quase nulo, nem Laura Pausini eu escuto; provavelmente levo rasteiras violentas de falsos cognatos, tempos verbais etc ao olhar o texto italiano ao lado do texto português. Não hesito em dizer, no entanto, que a tradução de JW para Vita Nuova parece ser o correspondente em português da tradução de Dante Gabriel Rossetti para o inglês. Por alguma razão insondável, a tradução dos poemas - definitivamente a "parte difícil" - nunca foi acompanhada dos textos em prosa sem os quais o livro é ininteligível. Coisas do Brasil, provavelmente.

JW também traduziu os sonetos de Shakespeare. A tradução é ótima; quem encontrar o livro por aí, compre e me venda. Eu dei todos os que eu comprei, e agora não acho mais.

Quem puder, vá. Do ponto de vista "curturar", e não só da badalação, é o evento do ano. Ao menos até agora, ao menos no Rio de Janeiro.

* Primeiro verso de um poema de JW dedicado a Bruno Tolentino, a respeito de traduzir Dante. Just google it.

Postado por Pedro Sette Câmara às 06:01 PM

July 29, 2004

Da vantagem e da virtude de não levar a arte muito a sério

Após sua adesão ao Cristianismo, W. H. Auden costumava dizer em entrevistas que a arte é uma frivolidade, e que a única coisa relevante era amar a Deus e ao próximo. Por mais impressionante que seja que aparentemente não lhe tenha ocorrido que a arte pode ser também uma maneira de amar a Deus e ao próximo, sua afirmação faz sentido. Mas antes de chegar a seu sentido mais geral, vamos lembrar que, para Auden, dizer isto era de certo modo negar os breves anos de intensidade marxista-freudiana de sua juventude em Oxford, e enfatizar o que já tinha dito com o famoso “poetry makes nothing happen” do poema dedicado a W. B. Yeats. Auden queria mostrar que a arte não é eficaz enquanto instrumento de ação política, em suma.

Mas é interessante comparar a afirmação de Auden com o excessivo respeito à “arte” – aqui uso o termo apenas para me referir às “artes” do senso comum contemporâneo; no futuro, escrevendo sobre Coomaraswamy, precisarei o termo – que costumam ter certas pessoas; um respeito propriamente religioso. Crêem que as obras de Shakespeare, Camões ou sei lá quem são intocáveis como as palavras das Escrituras (nas quais mesmo a Igreja não deixou de tocar, aqui e ali; compare em diferentes Bíblias a enumeração dos frutos do Espírito Santo em Gálatas V, 22; leia a questão da Suma Teológica a respeito), e concedem às artes, com exclusividade, toda a dimensão do sublime, do transcendente, do “metafísico”; e aliás “metafísico” é uma das palavras mais vilipendiadas dos últimos 100 anos. Mas, voltando, há muitos que crêem que o playground mental proporcionado pelas obras de arte é o que existe de mais sagrado neste mundo, e também mais puro.

Um destes “muitos”, me lembro agora, foi Ezra Pound. Pound defendia abertamente que o mau artista deveria ser preso e era mesmo um totalitário. Era fascista, fascista mesmo, foi para a Itália apoiar Mussolini; não era o “fascista” da nossa linguagem comum, que significa apenas “pessoa de quem não gostamos”. Era um homem que era a favor de matar pessoas que discordassem de um plano político, um totalitário.

***

A questão, é claro, é que os sonetos de Shakespeare, os poemas de Villon etc não são sagrados. Nem os quadros de Rembrandt. O ser humano nasce, creio, com uma espécie de ímpeto religioso; se este não for devotado às coisas realmente maiores, irá voltar-se para outras coisas, necessariamente menores; e é assim que nasce um Ezra Pound. Toma-se algo que é puro fruto do engenho humano, que é condicionado, local, circunstancial – toda obra de arte é circunstancial, mas isso é assunto para depois – e alça-se este algo ao patamar do universal. Eis, de modo grosseiro, uma pequena receita de totalitarismo. Vide, um pouco mais ao norte da Europa, a importância que Hitler dava à arte.

A pessoa religiosa, por outro lado, sabe que transcendente só Deus; que extraordinário só Deus; e Deus é inapreensível. A consciência da própria pequenez diante de Deus gera o bom-senso: “posso estar errado”. Não é tão difícil criticar Yeats ou Valéry ou Auden ou Pound; mas é impossível elevar-se por si ao nível de Deus e criticá-lO. A pessoa religiosa sabe que um poema é só um poema; que a gigantesca maioria dos poemas, mesmo os mais importantes, constitui apenas uma forma de diversão. De diversão sim: a alma tem necessidade de relaxamento. Pessoas boçais rebolam, se entopem de comida, e pessoas inteligentes lêem poemas, vêem quadros, ouvem música.

Que Auden tenha aparentemente desconsiderado esta necessidade da alma, entende-se pelo contexto. Mas nós não temos o contexto dele; eu, ao menos, não tenho. Tenho à minha volta, na Faculdade de Letras, pessoas atéias que acham que escritores são deuses; idolatria, óbvio.

Postado por Pedro Sette Câmara às 12:16 AM

July 28, 2004

Para os amantes do venerável idioma bretão

Aqueles que, como eu, têm uma irrefreável paixão por esta língua de bárbaros que é o inglês, hão de se divertir muito com este artigo da Slate.

Postado por Pedro Sette Câmara às 11:34 PM

July 22, 2004

Cão perneta em versos

Vi isto no blog do Ruy Goiaba e quis entrar na brincadeira. Depois lembrei que o cão tinha que cair, mas fiquei com preguiça de reescrever tudo. Isto cá são poemas, também; não há a obrigação da narrativa...


Camões

Mijava o cão perneta lusitano
ao poste tão de perto recostado,
e seu mijo tão longe era esguichado
que caía nos feros muçulmanos.


Fernando Pessoa

A gente crê que eu sei do cão que mija.
Só sei da sua perna, que lhe falta.
A perna inexistente é que é mais rija,
melhor que a nossa, o sonho de uma flauta.


Casimiro de Abreu meets Tennyson

E após muitos verões morre o cãozinho,
tão perneta, mas tão pequenininho.
Quando urinava o cão naquele poste
dizia minha mãe: "ah, tem quem goste!"

Postado por Pedro Sette Câmara às 01:14 PM

July 05, 2004

Leiam

Júlio Lemos, versão lone ranger.

Postado por Pedro Sette Câmara às 09:27 PM

June 26, 2004

Auden 1 x Guénon 0

14. The Way (from The Quest)
W. H. Auden

Fresh addenda are published every day
To the encyclopedia of the Way.

Linguistic notes and scientific explanations
And texts for schools with modernized spelling and illustrations.

Now everyone knows the hero must choose the old horse,
Abstain from liquor and sexual intercourse,

And look out for a stranded fish to be kind to:
Now everyone thinks he could find, had he a mind to,

The way through the waste to the chapel in the rock
For a vision of the Triple Rainbow or the Astral Clock

Forgetting his information comes mostly from married men
Who liked fishing and a flutter on the horses now and then

And how reliable can any truth be that is got
By observing oneself and then just inserting a Not?

Postado por Pedro Sette Câmara às 09:25 PM